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São Paulo, quinta-feira, 20 de novembro de 2003

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EUA querem "ensinar" livre comércio ao país

DO ENVIADO ESPECIAL A MIAMI

Os empresários industriais norte-americanos dispõem-se a lançar um "exercício de educação" aos brasileiros, tanto do setor público como do privado, na tentativa de convencê-los a aceitar uma Alca o mais abrangente possível.
O anúncio foi feito ontem por Scott Otteman, diretor de Política Comercial Internacional da NAM (Associação Nacional de Manufatureiras), uma espécie de CNI norte-americana.
A idéia de que os brasileiros precisam ser "educados" sobre as vantagens do livre comércio não é nova. Em Cancún, na Ministerial da Organização Mundial do Comércio, o empresariado dos EUA usou expressão idêntica quando o Brasil ajudou a criar o então G20, grupo de países em desenvolvimento para lutar pela liberalização agrícola nos países ricos.
O chanceler Celso Amorim, como é óbvio, não acha que os brasileiros precisam ser educados sobre o tema. Mas, em vez de reagir iradamente, preferiu tirar do baú da memória uma cena do clássico filme "Casablanca" em que um dos personagens pergunta ao principal: "Por que você veio a Casablanca?". "Pelas águas", responde o interrogado. "Mas aqui é deserto", retruca o interlocutor.
"Ah, então eu estava mal informado", termina a cena.
A analogia é para dizer que estão mal informados os que dizem que o país é contra o livre comércio. "Somos a favor, desde que seja equilibrado. Não podemos ter livre comércio só para um lado."
Repete, então, a conhecida lista de produtos brasileiros contra os quais os EUA praticam tudo, menos livre comércio (aço, suco de laranja, açúcar, álcool etc.), para completar: "Livre comércio é mais falado que praticado".
Para os industriais norte-americanos, no entanto, o Brasil é culpado por, em Miami, não ter sido definida uma Alca "robusta, de alta qualidade e abrangente", conforme a sucessão de qualificativos enfileirada por Frank Vargo, vice-presidente da NAM para Assuntos Econômicos Internacionais.
"Exceto pelo Brasil, essa meta está quase alcançada", diz Vargo.
Coincidência ou não, ele usou o anúncio de que os EUA iniciam negociações com países centro-americanos, andinos, Panamá e República Dominicana, para dizer que estes teriam interesse em evitar que o Brasil tenha acesso ao mercado norte-americano, a menos que assuma os outros compromissos da Alca "robusta, de alta qualidade e abrangente".
Resposta de Amorim, na sua própria entrevista coletiva: "É mais fácil dizer do que fazer [acordos de livre comércio]".
Vargo e Otteman acham que o Brasil perderá investimentos se não aderir à visão de Alca ampla. "Os investimentos americanos no Brasil já caíram porque o ambiente não é atraente. Vai ficar menos atraente ainda com os acordos entre os EUA e os outros países da América Latina", prevê Vargo.
Amorim discorda: "O Brasil foi, por muito tempo, o segundo maior receptor de investimentos externos do mundo, atrás da China, e não tinha [nem tem] acordo de proteção aos investimentos".
Os industriais dos EUA estão tão interessados na Alca robusta que se dispõem até a ceder na data de implantação (prevista para 2005 e reafirmada no texto de Miami). "Se puder ser no prazo, melhor. Se não, podemos esperar um pouco mais", diz Vargo. (CR)


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