São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 2006

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Fernando Gasparian


Gasparian não se deixou encantar pelas idéias modernizadoras e liberais que vinham do Norte


EXISTEM FIGURAS públicas que não são reconhecidas devidamente porque não arredam pé de suas posições quando estas entram em crise na sociedade. Fernando Gasparian, morto recentemente, é uma delas. Entre os anos 50 e 70, ele era visto, primeiro, como um modelo de empresário nacionalista, depois, como um político e editor sempre nacionalista, mas, quando as idéias nacionalistas já começavam a sair da "moda", vítimas já nos anos 70 da "teoria da dependência" e, a partir do final dos anos 80, da onda ideológica neoliberal, ele foi equivocadamente visto como alguém "ultrapassado". Eu o conheci nos anos 1950, quando era um empresário nacionalista famoso, o grande defensor da industrialização e da empresa nacional, o representante por excelência da burguesia nacional. Mas já então seus amigos brincavam que ele era "o único representante" dessa burguesia. Não era. Existiam então, como existem hoje, muitos outros empresários também identificados com o desenvolvimento do país; mas essa frase já indicava as incompreensões que enfrentaria.
A vocação de Gasparian era essencialmente para a vida pública. Como verdadeiro republicano, ele se sentia responsável pelos destinos do Brasil. Quando o golpe de 1964 implantou um regime militar, ele criou um tablóide que, conjuntamente com o "Movimento" e o "Pasquim", representou a resistência democrática durante aqueles anos sombrios. Editou também os "Cadernos de Opinião", no qual os intelectuais democráticos tinham um espaço maior para desenvolver suas idéias. Gasparian estava então em seus melhores dias. Alcançada a democracia, candidatou-se a deputado federal e foi eleito constituinte. Trabalhou então com enorme entusiasmo e energia em um grande número de temas, mas afinal ficou com seu nome associado ao dispositivo que limitava constitucionalmente os juros. Seus amigos não o perdoaram por esse equívoco. Gasparian aparecia agora como um político atrasado, que não acompanhara a modernização do país, que "ficara nos anos 50".
Não logrando se reeleger, fundou a Paz e Terra -a grande editora que, afinal, marcaria a última parte de sua vida- e, por meio dela, publicou um grande número de títulos de alta qualidade, inclusive todos os livros de seu grande amigo Celso Furtado. E lançou também a revista "Política Externa", que hoje contribui para um debate maduro sobre a política de relações exteriores brasileira. Ao contrário do que aconteceu com seus amigos -inclusive comigo próprio-, Gasparian não se deixou encantar pelas idéias modernizadoras e liberais que vinham do Norte e que, a partir do final dos anos 1980, tornaram-se dominantes no Brasil. Jamais acreditou que o desenvolvimento do Brasil pudesse depender da poupança externa ou dos investimentos das empresas multinacionais. Como Furtado, manteve-se nacionalista quando o nacionalismo se tornara "fora de moda" tanto para a direita quanto para a esquerda.
Hoje, está claro que o escanteio ideológico em que, de alguma forma, o pusemos foi um erro. Evidentemente ele também cometeu seus equívocos, mas estava certo quando afirmava que o desenvolvimento econômico dependia de um projeto nacional. Como o Brasil já havia completado sua revolução industrial, eu supus que o desenvolvimento econômico se tornara auto-sustentado. Supus, portanto, que bastaria controlar a alta inflação para que a economia voltasse a crescer. Não bastou: como Gasparian nunca deixou de afirmar, seria necessário também reconstruir a nação que os radicalismos de esquerda e de direita haviam desconstruído nos anos 60.
Hoje, depois de um período de quase 50 anos de esquecimento da nação, estamos nos dando conta de que só será possível alcançar maior eqüidade e maior integração social se o Brasil voltar a crescer. Por outro lado, depois de 26 anos de quase estagnação, estamos descobrindo que o desenvolvimento econômico só se torna realidade quando a nação se fortalece e formula solidária uma estratégia nacional de competição internacional. Fernando Gasparian sempre soube disso e, apoiado por sua mulher, Dalva, lutou sem cessar por suas idéias.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 72, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br

lcbresser@uol.com.br


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