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LUÍS NASSIF
Personagens do Real
No dia em que alguém for
escrever sobre a tragédia
brasileira nos anos 90, a maneira como governantes jogaram pela janela a maior oportunidade que o país teve para
romper com o atraso, capítulo
especial terá de ser dedicado a
quatro personagens: Pérsio
Arida, Gustavo Franco, Fernando Henrique Cardoso e Pedro Malan.
Houve uma disputa entre os
dois primeiros sobre os rumos
do Plano Real, especialmente
da política de câmbio. Sem
compreensão dos processos
macroeconômicos, até pela
pouca experiência na área pública, Franco venceu, Arida
saiu em silêncio do governo.
Durante quatro anos viu, mês
após mês, o desastre avizinhar-se, o mesmo desastre para o
qual ele alertara no início de
1995, caso a política cambial
não fosse alterada. Assistiu a
multidão dos cretinos das planilhas invocando o dogma da
política cambial, como se fosse
peça central da magia do Real.
E ele, pai do Real, se calou.
Arida é figura singular no
universo da geração de economistas brasileiros pós-ditadura. Foi o mais brilhante deles, o
criador do Real, e o que menos
procurou se beneficiar política
ou financeiramente do poder
granjeado.
Desde o início de sua carreira, nunca teve paciência para
operar a mídia a seu favor.
Não se deslumbrou com a fama da vida pública, e, como já
admitiu certa vez, nunca gostou do jogo da política e de suas
fronteiras sempre nebulosas
entre verdade, dissimulação,
manipulação e mentira.
Em 1995, ainda não tinha
noção do que viria a ser a crise
da Rússia ou do LTCM (Long
Term Capital Management,
fundo de hedge que faliu em
1998). Mas sabia que a âncora
cambial não era necessária na
extensão do que se imaginava
para sustentar a estabilidade
do padrão monetário e que a
liquidez internacional era um
fenômeno cíclico que mais cedo
ou mais tarde iria se reverter.
Alertou o governo sobre isso.
Disse que a história já demonstrava à saciedade que regimes
de câmbio fixo tipicamente
naufragam em anos eleitorais.
Sua proposta era criar uma
banda larga (R$ 0,92 a R$ 1,10,
na partida) e ir ampliando
aceleradamente ambos os limites para que, quando da eleição presidencial de 1998, já se
estivesse na prática em livre
flutuação. A alternativa, segundo sua visão na época, seria amargar juros altíssimos e
enfrentar os efeitos de uma crise cambial que ocorreria inelutavelmente mais cedo ou mais
tarde.
O estilo de falar de Arida é
pouco afirmativo, de quem entende os limites do seu próprio
conhecimento, depois de ter sido jubilado pelo Plano Cruzado -uma experiência de laboratório na qual entrou auto-suficiente e saiu humilde. O de
Franco era temerário, exuberante, fatal como a certeza cega
e inexperiente em uma cabeça
inteligente. E os gestores -Fernando Henrique Cardoso e
Malan- eram ouvintes superficiais, acadêmico-burocráticos, desatentos até.
Nas noites frias de São Paulo,
em desabafos com alguns poucos confidentes, o brasileiro e
economista Arida tem consciência de que fez muito pelo
país. Mas sabe que poderia ter
avançado mais, que deveria ter
encontrado um meio-termo
entre a crítica bombástica e o
silêncio para denunciar a
grande farsa que jogou o país
em uma noite que destruiu a
única chance da nossa geração.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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