São Paulo, segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Índice

Blindagem do Brasil contra crise foi "conto de fadas", diz analista

Professor de Columbia afirma que país poderá até ter de elevar juros se não tiver política fiscal responsável e culpa agências reguladoras por turbulência

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

Ex-diretor de análise de emergentes do Citigroup, o economista Thomas Trebat, da Universidade Columbia, diz que países como o Brasil não escaparão dos efeitos da crise nos EUA. Afirma que o país pode até elevar os juros se não tiver política fiscal responsável e que a tese do "descolamento" dos emergentes foi um "conto de fadas". Leia entrevista.

 

FOLHA - Como a crise na economia é percebida pelos americanos?
THOMAS TREBAT -
Estamos atravessando uma fase de crescimento medíocre e possivelmente já estamos em recessão. E quem está dizendo isso são os consumidores, os eleitores e agora os políticos. A preocupação com a economia já é um assunto mais importante do que o conflito no Iraque na eleição. Cada lar tinha um patrimônio na Bolsa e um valor da sua casa. O preço da casa despencou até 20%, e o mercado caiu e até hoje não recuperou o seu equilíbrio. Isso acaba minando o poder de compra do consumidor.

FOLHA - Os emergentes seguirão imunes à crise americana?
TREBAT -
Essa tese é baseada em desejo, e não na análise da realidade global. Um exemplo: 60% das exportações asiáticas vão para os EUA. E agora vemos uma diminuição nas exportações da China e muita preocupação no leste da Ásia. Há um prognóstico de crescimento reduzido europeu. Vai sobrar o que para os emergentes? Fatalmente haverá menos fluxo de crédito, preço menor de commodities e menos investimento direto e exportações.

FOLHA - Por que essa tese pegou em 2007? Foi uma ilusão?
TREBAT -
Houve esse descolamento porque a freada foi rápida aqui [nos EUA]. No terceiro trimestre, crescemos mais de 3% [4,9%]. Só no quarto trimestre é que a economia bateu contra a parede. Esse negócio de "descolamento" foi um conto de fadas. Agora, países como o Brasil têm muito mais capacidade para absorver golpes.

FOLHA - Os juros altos manterão o fluxo de capital para o Brasil?
TREBAT -
Duvido que o atual diferencial de juros [prêmio no Brasil acima do juro americano] dê margem de conforto para o Brasil. Até o final do ano, podemos falar de possíveis aumentos de juros, que é um cenário talvez não provável, mas possível. A probabilidade aumenta à medida que o governo não toma medidas fiscais.

FOLHA - Quais as lições da crise?
TREBAT -
Estou horrorizado com a falta de critério no setor bancário. Nosso sistema de avaliação de risco faliu. E faliu por fatores bastante humanos, como a gula dos executivos [em bater metas e ganhar bônus]. Foram feitas avaliações de risco perdendo uma longa história de crise financeira pelo simples fato da ganância e talvez da relativa juventude de profissionais. É marcante a falta de cabelos grisalhos nos bancos.

FOLHA - E os maiores erros?
TREBAT -
Excesso de otimismo e falta de juízo das agências reguladoras. Vários Ph.D.s terão de explicar como é possível que um monte de hipotecas de pessoas com precárias condições de renda ganham classificação de risco AAA [a melhor nota possível]. Quando os mesmos bancos fizeram empréstimos a países emergentes, havia muito rigor sobre a capacidade de pagamentos desses países. Agora, houve uma crise emergente dentro do nosso próprio país que não foi precificada.

FOLHA - Mas os responsáveis pelo crédito não são os mesmos.
TREBAT -
Em cada banco há um só executivo responsabilizado pelo risco. Claro que cada área tem os seus profissionais. Mas no fundo o executivo encarregado pelo risco é o mesmo.


Texto Anterior: Temor de recessão deve monopolizar Davos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.