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ANÁLISE
Coordenação global trava regulação
JOSEPH STIGLITZ
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
Nos anos anteriores à crise,
havia uma corrida ao mínimo,
com os países competindo para
determinar qual deles oferecia
regulamentação mais leve. A
Islândia talvez tenha ganhado
essa corrida, mas seus cidadãos
saíram derrotados. À medida
que as consequências desses
equívocos continuam a se manifestar -e prosseguem as discussões sobre o novo regime regulatório-, a questão da coordenação global passou a ocupar
posição central.
Os bancos em qualquer jurisdição ameaçam levar seus negócios para outro mercado caso
regulamentações severas sejam impostas. O setor financeiro moderno é ágil e por isso essas ameaças parecem, ao menos em parte, críveis. Se houver
regulamentos diferentes em jurisdições diferentes, surge um
risco real de que as instituições
selecionem seus paradeiros
com base na regulamentação
mais favorável. E, já que as instituições financeiras se transferirão à jurisdição menos regulada, surge o perigo de que persistam os problemas que abalaram setor financeiro mundial
antes da crise.
Essas são algumas das razões
para que exista um consenso
quanto à necessidade de regulamentação mundial. Mas o
progresso quanto à criação de
um regime regulatório efetivo
vem sendo notavelmente lento.
O Fórum de Estabilidade Financeira, criado para esse propósito após a última crise mundial, pouco fez -e evidentemente menos que o suficiente
para prevenir colapso ainda
pior uma década depois.
A organização agora recebeu
a tarefa de orientar a comunidade internacional quanto à
implementação de um novo regime regulatório. O G20 pode
ter a esperança de que mudar o
nome do órgão para Conselho
de Estabilidade Financeira,
com a adição de novos membros, faça a diferença, mas eu
não contaria com isso. Talvez
as pessoas que acreditaram no
mantra da liberalização, responsável pela crise e por sua rápida expansão, tenham aprendido suas lições; mas é difícil
mudar uma mentalidade.
Prioridades distintas
Existem outros motivos para
pessimismo quanto a obter rapidamente uma forma efetiva
de coordenação global. As prioridades parecem distintas: a
França e o Reino Unido enfatizam estruturas de incentivos, e
os EUA, os riscos das operações
de bancos com capital próprio.
Embora Mervyn King, o presidente do BC britânico, e muitos pesquisadores acadêmicos
tenham alertado sobre os perigos de instituições grandes demais, interconectadas demais
ou correlacionadas demais para falir, nenhum dos governos
do G20 desejava irritar seus
grandes bancos e levantar essa
questão, pelo menos até recentemente, quando o presidente
Barack Obama enfim propôs
fazer alguma coisa nos EUA,
um ano depois de assumir.
Continuam a não existir propostas efetivas para lidar com
os derivativos complexos e desprovidos de transparência, negociados em varejo.
Dadas as dificuldades que
existem para obter coordenação mundial, insistir em que ela
aconteça pode ser uma receita
de paralisia, exatamente o que
os banqueiros que não desejam
regulamentação desejam. Talvez não seja surpresa que eles
são defensores enfáticos da necessidade de ação mundial.
Mas cada país é responsável
por garantir a estabilidade e a
segurança de seu sistema financeiro e de sua economia -e
pela proteção a seus cidadãos.
Os líderes começam a perceber
que não podemos esperar pela
coordenação. Seria muito melhor ter medidas fortes agora e
harmonizar as estruturas regulatórias mais tarde. Pode não
ser a melhor solução, mas ainda
assim é bem superior à ideia de
postergar a nova regulamentação, ou diluí-la. Há até a possibilidade de uma "corrida para o
máximo". Os eleitores americanos podem ver por conta própria as medidas muito mais severas de restrição às bonificações adotadas na Europa.
Contas de terceiros
Mesmo que consigamos obter a coordenação entre regimes regulatórios, o caso da Islândia deveria ter ensinado aos
governos que não podem depender de autoridades regulatórias em terceiros países para
proteger seus cidadãos e seus
mercados financeiros.
Além disso, um dos argumentos usados para defender o
resgate aos acionistas e credores dos bancos era o de que, se
isso não acontecesse, haveria
risco de um colapso financeiro
mundial. Devido a essa ameaça,
os contribuintes dos Estados
Unidos foram convidados a arcar com contas que caberiam a
terceiros. Para impedir que isso
volte a acontecer, devemos reduzir as interconexões -é uma
questão de autodefesa que cada
país terá de resolver sozinho.
Os países que prosseguirem
nesse caminho enfrentarão
ameaças de uma espécie já recebida: uma rápida fuga para
mercados extraterritoriais.
Mas as partes do sistema financeiro que são essenciais para a
economia real -por exemplo,
os bancos que fazem empréstimos a empresas- não têm toda
essa agilidade. Qualquer análise de custo/benefício sobre as
perdas para os cassinos extraterritoriais concluiria, certamente, que, se algum outro governo deseja correr o risco de
instabilidade econômica e de
resgates custosos para os seus
contribuintes, nossa tarefa passa a ser simplesmente a de prevenir o contágio que acontece
nessas jurisdições desregulamentadas. Nenhum país pode
se isolar de todo, mas a melhor
proteção é uma estrutura regulatória firme no país. A instabilidade crescente dos mercados
financeiros mundiais deveria
ter deixado claro que é disso
que precisamos agora.
JOSEPH STIGLITZ é professor na Universidade
Columbia e seu mais recente livro, "Freefall", foi
lançado no mês passado.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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