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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Euforia descabida, insanidade em marcha
LUCIANO COUTINHO
Os mercados de crédito e de
capitais foram insuflados
por liquidez abundante e barata
após os atentados de 11 de setembro do ano passado. Sob a liderança do Federal Reserve, as taxas do overnight foram generosamente reduzidas pelas autoridades monetárias dos países centrais durante várias semanas para garantir a liquidez dos segmentos de mercado sujeitos a
uma forte onda de aversão ao risco.
Porém, já a partir da última semana de outubro e, claramente,
desde novembro do ano passado,
os mercados inverteram espetacularmente as expectativas pessimistas. Firmou-se um sentimento
de que a economia mundial iniciaria uma recuperação acelerada sob a liderança dos Estados
Unidos e de que, após a fácil derrubada do governo taleban no
Afeganistão, diminuiria duradouramente o risco "político" global. Essas expectativas otimistas
não foram perturbadas pela perspectiva de "default" da Argentina
-fato esperado e logo descontado. As taxas de risco começaram,
então, a cair; os investidores trocaram rapidamente os títulos do
Tesouro por papéis de alto retorno/risco e as Bolsas subiram expressivamente recolocando a relação preço-lucro próxima aos
seus recordes históricos. O colapso
da Argentina contagiou apenas
marginalmente os mercados
emergentes. Capitais voltaram a
fluir para o Brasil, e a nossa taxa
de câmbio entrou em trajetória
de apreciação.
Nestes primeiros meses de 2002,
os mercados persistiram operando com essa expectativa otimista
de recuperação americana e do
resto da economia mundial. A interrupção da queda do emprego
nos EUA e os sinais de confiança
crescente por parte dos executivos
americanos facilitaram a absorção de problemas incômodos como foi o caso da Enron. É pertinente indagar: estarão os mercados preparados para uma frustração dessas expectativas favoráveis? As economias centrais poderão resvalar outra vez para uma
recessão ou enveredar por um cenário desgastante de anemia econômica?
As respostas são pouco animadoras. Um conjunto de riscos está
sendo subestimado. Desde logo, é
preciso recordar que o longo período de expansão dos gastos privados de consumo e investimento
nos anos 90, especialmente nos
EUA, se fundamentou em um endividamento crescente das famílias e das empresas. A exuberante
valorização das ações (que hoje
representam cerca de 35% da riqueza das famílias americanas)
mascarava a percepção de aumento do risco para os tomadores
de dívida. Até o presente, a superliquidez com juros muito baixos
produzida por mr. Greenspan
tem sustentado os preços dos ativos e facilitado sobremaneira a
rolagem das dívidas. Não obstante, se a recuperação da economia
estancar, os preços da riqueza podem voltar a cair e o crédito pode
ficar seletivo e escasso. O grau de
deterioração financeira do setor
empresarial americano já é preocupante (volume alto de inadimplência em um ritmo de US$ 100
bilhões por trimestre). Ainda não
se pode descartar um círculo vicioso entre quedas de preços dos
ativos, "crunch" de crédito, retração de gastos, quedas de lucros...
Esse risco não é desprezível, pois
uma retomada firme da economia com expansão sustentada do
consumo requereria, na margem,
que as famílias voltassem a se endividar e que as empresas voltassem a investir substancialmente,
dispondo-se também a contrair
mais dívidas, o que parece pouco
plausível. É mais provável que o
desempenho da economia americana (e mundial) venha a ser medíocre e oscilante. Os mercados
ainda não precificaram esse cenário.
No plano político, a insana escalada do conflito na Palestina,
promovida pelo sanguinário governo Sharon, com a complacência dos EUA e da Europa, recolocou em alta o perfil do risco "político". A subida do preço do petróleo já o exprime.
Do lado positivo, na esfera econômica, registrem-se a solidez dos
sistemas bancários nos EUA e na
Europa (o sistema japonês, como
é sabido, está moído), a existência
de uma folga fiscal para aumentar gastos (excetue-se, outra vez, o
Japão) e a sabedoria do presidente do Fed. Alan Greenspan já acenou com a manutenção da baixa
taxa de juros (de 1,75% ao ano)
na próxima reunião de 7 de maio
(enquanto isso, nós aqui na
tropicália, infelizmente, não podemos baixar a nossa). Esses fatores podem contrabalançar um ao
outro até certo ponto, mas não asseguram o cenário de recuperação firme e sustentada. Mas, se há
sabedoria na gestão econômica,
persiste a insensatez no plano político. A carnificina no Oriente
Médio aguça os riscos. Faz imensa falta um líder americano responsável, capaz de impor uma
paz justa (com base na proposta
da Arábia Saudita) por meio da
única forma possível: uma ocupação direta da área de conflito por
uma força internacional de paz
sob o comando da ONU (Organização das Nações Unidas).
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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