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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Fim da onda neoliberal
O socorro ao Bear Stearns e as revoltas em países atingidos pela alta de preço de alimentos marcam esse fim inglório
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CHEGOU AO fim a onda ideológica neoliberal que dominou
o mundo nos últimos 30 anos
no quadro da hegemonia americana.
Dois fatos ocorridos nas últimas semanas marcaram esse fim inglório;
de um lado, o socorro do banco de
investimento Bear Stearns; de outro, as revoltas populares em vários
dos 33 países hoje seriamente atingidos pelo aumento dos preços dos
alimentos. Essa ideologia reacionária que visava reformar o capitalismo global para fazê-lo voltar aos
tempos do capitalismo liberal do século 19 revelou ter fôlego curto. E
não poderia ser de outra forma, já
que estava em contradição com os
avanços políticos e institucionais
que transformaram o Estado liberal
do século 19 no Estado democrático
e social da segunda metade do século 20.
Apoiada na hegemonia americana, a onda ideológica neoliberal teve
início em 1980, com a eleição de Ronald Reagan, e chegou ao auge nos
anos 1990, com o colapso da União
Soviética, mas nos anos 2000 entrou em declínio. Três fatores contribuíram para a crise: 1) o fracasso
das reformas e da macroeconomia
neoliberais em promover o desenvolvimento econômico dos países
periféricos que a aceitaram; 2) o desastre político e humano representado pela guerra contra o Iraque; e
3), mais recentemente, a grande crise bancária que a desregulamentação financeira facilitou.
Nos últimos dias, a intervenção
para salvar um banco de investimento e a ameaça de fome causada
pela elevação dos preços dos alimentos marcam definitivamente o
fim da utopia neoliberal de uma sociedade regulada principalmente
pelo mercado. Não preciso de maior
argumentação para demonstrar por
que o socorro do Bear Stearns tem
esse sentido. Conforme afirmou na
ocasião Martin Wolf abrindo seu artigo semanal, "lembre a sexta-feira,
14 de março de 2008: foi o dia em
que o sonho de um capitalismo de livre mercado morreu". (Folha, 26/
3/08). Engana-se, porém, Wolf em
falar em "sonho". Trata-se antes de
um pesadelo, porque, se é verdade
que o mercado é um excelente alocador de recursos, mesmo nesse
campo precisa de regulação para
evitar instabilidade. Já em relação
aos demais valores que a humanidade tão arduamente construiu, o
mercado é cego, ignorando os princípios mais elementares de honestidade, proteção da natureza e justiça social.
Essa cegueira assumiu caráter
dramático com a notícia de que as
populações pobres de pelo menos
33 países estão ameaçadas de fome
devido à alta dos preços dos elementos. Se a ideologia neoliberal
dominante nestes últimos 30 anos
não houvesse se encarregado de
convencer os países pobres de que
não precisavam de suas culturas de
produtos alimentícios, de que era
mais econômico especializar-se
em alguma outra atividade (geralmente de valor adicionado per capita igualmente baixo) e importar
seus alimentos básicos, os povos
desses países não estariam agora
em justa revolta.
Creio que existem boas razões
para acreditarmos no desenvolvimento econômico e político dos
povos. É absurda, porém, a ideologia que pretende alcançar o bem-estar econômico capitalista sem se
beneficiar do desenvolvimento político democrático -sem contar
com a ação corretiva e regulatória
do Estado democrático e social que
tão arduamente a sociedade moderna vem construindo e do qual
faz parte um mercado livre mas regulado. Não teremos saudades do
neoliberalismo.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito
da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br
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