UOL


São Paulo, sábado, 21 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Crise em outros países dá confiança aos norte-americanos

11.jun.03 - Hector Mata/France Presse
Morador de rua dorme em sofá na Sunset Boulevard (Hollywood)


DAVID LEONHARDT
DO "THE NEW YORK TIMES"

Com sua combinação de crescimento lento, desemprego em alta e salários em queda, a economia atual não atende a nenhuma definição conhecida. Um economista a classificou como "nova estagnação", fazendo uma piada com a "nova economia". Outro prefere "recuperação com perda de empregos", sinalizando que é uma situação pior do que a da recuperação sem ganho de empregos dos anos 90.
Mas talvez a melhor maneira de pensar sobre a situação atual, com seus indicadores contraditórios, seja como uma versão mais sombria da economia "Cachinhos Dourados" do final dos anos 90, uma expressão usada então para denotar o balanço perfeito do crescimento da economia aquecida o bastante para trazer prosperidade, mas fria o bastante para manter a inflação sob controle. Na versão atual, em contraste, a economia se parece com um prato morno de mingau.
Os números parecem contar duas histórias diferentes. Por um lado, o mercado de trabalho está atolado em sua mais longa queda no nível de contratações desde a Grande Depressão, e a mais profunda dos últimos 20 anos. Os salários ficaram muito para trás da inflação, para a maior parte dos assalariados, e os empregadores vêm forçando os trabalhadores a cobrir uma parcela maior do custo de seus planos de saúde.
Mesmo tendo atingido um pico de 6,1%, o mais elevado em nove anos, o índice de desemprego continua ligeiramente abaixo de sua média dos últimos 25 anos. Havia tanta gente empregada quando a crise começou que até mesmo uma queda prolongada no nível de emprego não conduziu a um desemprego estratosférico. O preço das casas continua subindo, permitindo que as famílias suplementem sua renda renegociando hipotecas. Nos últimos três meses, as ações estão em alta. Os norte-americanos, de acordo com pesquisas de opinião pública, continuam mais otimistas sobre a economia, hoje, do que há uma década, apesar do momento difícil.
Um motivo para essas aparentes contradições é que a crise vem sendo incomumente longa e ampla, mas jamais se deteriorou a ponto de poder ser considerada como uma "crise nacional". Ela atingiu quase todas as regiões e grupos demográficos, sem atingir a nenhum deles de maneira desproporcional. Todos os setores se sentem entorpecidos, mas nenhum está morto.
"Os consumidores vêem algumas partes da economia como boas -a inflação baixa, as baixas taxas de juros- e algumas partes como ruins -o desemprego e a falta de reajuste nos salários", disse Richard Curtin, diretor de pesquisa da Universidade de Michigan. "Eles estão gastando apenas o bastante para manter a economia crescendo em ritmo lento."
A natureza bipolar da economia está afetando as pessoas de maneira diferente dos passados ciclos de ascensão e de queda econômica.
A porcentagem de norte-americanos se mudando de um Estado para outro caiu em 2002 ao seu mais baixo nível desde os anos 70, de acordo com o grupo de pesquisa Economy.com. A despeito da alta no desemprego, poucas pessoas optaram por procurar um mercado de trabalho melhor do que o de suas cidades de moradia.
Como as demissões de executivos são agora prática aceita no mundo dos negócios, os profissionais liberais sofrem tanto como a classe trabalhadora. Não existem mais diferenças notáveis entre os imigrantes e os trabalhadores nascidos nos Estados Unidos. O índice de desemprego subiu de maneira semelhante para ambos os grupos, segundo o Urban Institute, de Washington.
Apenas 32% dos norte-americanos se dizem preocupados com a possibilidade de que um dos assalariados essenciais do domicílio perca o emprego, segundo recente pesquisa feita pela revista "Newsweek". Em outubro de 1991, quando o mercado de trabalho estava melhor do que o atual, 44% das pessoas responderam afirmativamente a essa pergunta.
Outras medidas do clima no país demonstram atitudes semelhantes. Na mais recente pesquisa do instituto Gallup, 31% dos entrevistados classificaram as condições econômicas como "desfavoráveis". No final de 1992 -quase 18 meses depois que a economia voltara a crescer, depois da última recessão-, quase 50% das pessoas consideravam que as condições fossem desfavoráveis.
Mais de um terço dos norte-americanos esperam que os próximos cinco anos tragam "bons tempos contínuos", informou na sexta-feira a Universidade de Michigan. Nas recessões dos anos 80 e do começo dos anos 90, o grupo dos otimistas caiu a um quinto da população, e durante a crise da metade dos anos 70, apenas 10% dos norte-americanos demonstravam tal otimismo.
Os problemas constantes de outros países, em comparação com os dos Estados Unidos, aumentam a confiança dos norte-americanos, dizem os especialistas em pesquisas de opinião pública.
Muita gente tem razões concretas para enfatizar o positivo. A despeito da queda nos salários ao longo do ano passado, a maior parte das famílias tem renda superior à que tinha cinco anos atrás, algo de que não poderiam se vangloriar na década passada. O preço médio de uma casa e o índice Standard & Poor's estão duas vezes mais altos do que em 1995.
Ainda que a taxa de desemprego esteja mais ou menos na média, ela obscurece uma realidade mais grave. Grande número dos desempregados de longo prazo desistiu de procurar emprego, o que os torna inelegíveis para a definição de desempregado usada nas pesquisas do governo, dizem os economistas. O quadro mais amplo revela que o mercado de trabalho está em situação tão ruim quanto no começo dos anos 90, quando o índice de desemprego superou 7%.
A longa crise já levou as pessoas a se preocuparem mais com o futuro e a imaginar como pagarão pela saúde e pela aposentadoria, disse Kohut, do Pew Research Center. Muita gente na casa dos 50 e dos 60 anos voltou a trabalhar nos últimos anos, depois de decidir que precisaria de mais dinheiro do que o planejado para a aposentadoria.
"As preocupações não são tanto com o aqui e o agora", disse Kohut, "e mais sobre os custos elevados no futuro".
É claro que esses custos um dia se tornarão parte do aqui e do agora. Em seu ritmo atual, a economia forçará muita gente a adotar expectativas mais modestas, a fim de pagar as contas. O sentimento generalizado de otimismo e prosperidade raramente sobrevive a esse tipo de mudança.


Tradução de Paulo Migliacci


Texto Anterior: Opinião econômica: Governo não tem agenda de desenvolvimento
Próximo Texto: Luís Nassif: O mestre e a "fracassomania"
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.