São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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ANÁLISE

Economia americana: crise do capitalismo ou ataque de nervos?

JOÃO MARCUS MARINHO NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nas últimas semanas, têm sido frequentes os comentários sobre a crise do capitalismo, talvez mortalmente ferido pelas fraudes e falcatruas que atingiram o coração do sistema: o mercado de capitais americano.
No entanto, muito provavelmente, daqui a algum tempo, perceberemos que as conseqüências desses eventos, longe de serem mortais, terão servido para tornar o regime capitalista, baseado no sistema de mercado, mais forte e eficiente.
Para que se possa vislumbrar esse "dénouement" favorável para a chamada "crise de confiança" que se instaurou nos mercados, é preciso entender o processo seguido pela economia dos EUA.
Inicialmente, é necessário desmistificar conceitos vazios como o de que o resultado colhido é conseqüência direta do "estouro" de um "conjunto de bolhas" na economia americana a "bolha do crescimento insustentável" ou a "bolha das Bolsas" que foram, e continuam sendo, manchetes freqüentes de reportagens e análises.
Também é necessário desconsiderar análises que apelam para uma "dose cavalar de sorte" para explicar a expansão americana dos anos 1990, caracterizada por taxas de desemprego e inflação em queda e crescimento robusto da produtividade e dos níveis de atividade econômica, com a "sorte" advinda do fato de que essas manifestações seriam, em teoria, inconsistentes.
A evolução da produtividade americana, que surpreendeu a todos, especialmente porque apresenta aceleração num estágio avançado do ciclo de crescimento que teve início, segundo o National Bureau of Economic Research (NBER), em meados de 1991, é perfeitamente consistente com o comportamento observado da Bolsa, do câmbio, dos juros e do saldo em conta corrente do balanço de pagamentos, estando essas variáveis-chave, portanto, longe de configurarem uma "bolha", refletirem elementos de "sorte" ou diagnosticarem sintomas de grave desequilíbrio. Nesse contexto, aliás, quem teve "sorte" foi o resto do mundo, que graças ao desempenho da economia americana, teve as pressões recessivas causadas pela sucessão de crises da segunda metade da década dos anos 1990 sensivelmente amortecidas!
Era curioso observar Greenspan, em 1996, surpreendendo-se com a simultânea queda da taxa de desemprego e redução da inflação, e atribuindo o fato ao "medo" dos trabalhadores em demandar aumentos salariais. De fato, entre 1987 e 1997, enquanto a produtividade crescia, a remuneração real do trabalho manteve-se, essencialmente, constante.
Durante esses 10 anos, pode-se assim dizer, os benefícios dos ganhos de produtividade nos Estados Unidos fluíram direto para o capital (lucros). A partir de meados de 1997, a situação muda radicalmente, com a remuneração real do trabalho evoluindo de acordo com a produtividade. Nesse momento, em contrapartida, os lucros das corporações americanas, como calculados nas Contas Nacionais a partir das declarações de imposto de renda, e que estão livres das "maquiagens" presentes nos balanços divulgados por estas mesmas corporações, param de crescer. Alguns meses depois, no início de 1999, a Bolsa (representada pelo Dow Jones) também pára de crescer. Ou seja, o mercado não é "bobo" e nem foi acometido de uma "exuberância irracional". As figuras abaixo ilustram
Entre 1999 e imediatamente antes do ataque terrorista em setembro de 2001, apesar da estagnação das Bolsas (e dos lucros), o dólar apreciou-se, significativamente, com relação ao euro (e outras moedas) e os juros, curtos e longos, subiram e, posteriormente, caíram, refletindo a situação da economia real. Mais recentemente, o comportamento dos mercados reflete os choques à confiança que se acumularam nos últimos meses. Nas últimas semanas, as fortes quedas das Bolsas mundiais, do dólar e dos juros longos, são consistentes com esse ambiente, nada tendo a ver com estouros de "bolhas" e "desequilíbrios" em conta corrente.
Um preceito básico em economia, é o de que os agentes econômicos reagem a incentivos. Assim, ao verem os lucros estagnarem, os diretores e gerentes das grandes corporações, que tinham seus proventos atrelados ao desempenho das ações das suas empresas, maquiaram seus balanços, mantendo o nível dos seus ganhos. Em outras palavras, os incentivos estavam errados. Se esse for o caso, todo o esforço deve se concentrar em restaurar a confiança, muito mais por mecanismos de mercado, mudando incentivos, do que por novas legislações regulatórias. Com isso, dado os fundamentos econômicos da economia americana, os mercados reagirão positivamente, e a tantas vezes decantada "crise do capitalismo", mais uma vez, vai se esvair.


JOÃO MARCUS MARINHO NUNES, economista, é sócio da ForeSee Asset Management, professor do IBMEC e autor de "O Vôo da Águia: A Economia Americana no Fim do Milênio". Ed. Saraiva 2002


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