São Paulo, quarta-feira, 21 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Itamaraty decide afastar negociador

DO ENVIADO ESPECIAL A BRUXELAS

José Alfredo Graça Lima, embaixador do Brasil na União Européia, foi afastado da delegação brasileira que negocia um acordo de integração com os europeus por meio de lacônico telegrama recebido no sábado, 48 horas antes de iniciar-se mais um CNB (Comitê de Negociações Birregionais, a mais alta instância técnica da negociação). O afastamento não veio em linguagem direta, mas embrulhado na burocrática comunicação de que o chefe da delegação não seria Graça Lima, mas o embaixador Régis Arslanian, chefe do Departamento de Negociações Internacionais.
Ocorre que Graça Lima é um embaixador mais sênior que Arslanian, promovido ao posto máximo da carreira há apenas um mês, e não poderia, pelas praxes internas da diplomacia brasileira, ficar subordinado a ele.
Por isso, sentiu-se relegado e não está comparecendo às reuniões do CNB, exatamente na reta final de uma negociação pela qual ele se sente pessoalmente responsável -ele participou do lançamento do projeto, em 95, quando era chefe do Departamento Econômico da chancelaria brasileira.
O Itamaraty nega que tenha havido qualquer afastamento. Seu porta-voz, Ricardo Neiva Tavares, disse à Folha que é "natural" que quem conduz internamente as negociações (entre os ministérios e com o setor privado), caso de Arslanian, chefie também a delegação na hora de sentar-se à mesa com os europeus.
Mas, no CNB anteriormente realizado em Bruxelas, no mês de maio, Arslanian já era o encarregado das negociações internas (e com os parceiros do Mercosul), mas quem chefiou a delegação brasileira foi Graça Lima.
O embaixador de 58 anos, 30 deles no Itamaraty, é um dos mais experimentados negociadores comerciais do Brasil. Acompanhou, por exemplo, toda a Rodada Uruguai, o ciclo de liberalização comercial negociado entre 86 e 94.
Em parte desse período (91/94), Graça Lima foi o braço direito do chanceler, Celso Amorim, então embaixador em Genebra, a sede do antigo Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), hoje OMC.
Graça Lima transformou-se, para a mídia brasileira, quase em sinônimo de negociação comercial, pois era o técnico responsável por toda elas, no período em que chefiou a Subsecretaria Geral de Integração Econômica e Comércio.

Só coquetel
É a segunda vez que o embaixador se sente desprestigiado pela casa a que serve há 30 anos.
Mas a primeira foi na fase final do governo Fernando Henrique Cardoso, quando o chanceler era Celso Lafer, rival do atual ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim.
Graça Lima discordou da criação, em 2001, do cargo de representante especial para o Mercosul, subordinado à Presidência da República e entregue na ocasião a José Botafogo Gonçalves, outro veterano de negociações comerciais, que já estava aposentado na carreira.
Embora tivesse sido promovido a embaixador em 1997, Graça Lima jamais chefiara uma missão no exterior e achou que chegara a hora. Preferia ter sido designado para Genebra, cidade em que serviu por nove anos, em três diferentes períodos.
Mas acabou sendo indicado para Bruxelas, onde, de qualquer forma, pôde continuar a trabalhar no seu campo de especialização e de preferência, o das negociações comerciais.
Por isso, o telegrama do sábado causou inevitável choque, ainda mais que, uma semana antes, havia sido avisado de que chefiaria a delegação na medida em que o embaixador Luiz Filipe de Macedo Soares, subsecretário-geral para América do Sul do Itamaraty, não poderia vir (um subsecretário pode chefiar um embaixador, ainda mais que Macedo Soares é mais antigo no posto do que Graça Lima).
Mas, na quinta-feira, Régis Arslanian (chefe de Departamento) telefonou para avisar que estava sendo instruído para assumir a chefia da delegação.
"Não quero fazer um drama, mas é a minha vida. Sempre considerei um privilégio fazer esse meu trabalho", desabafou o embaixador com seus mais próximos, conforme a Folha apurou.
A perplexidade de seus auxiliares no casarão da missão brasileira na avenida Franklin Roosevelt foi tanto maior porque Graça Lima sempre dizia que se orgulhava de ter sido, durante três ou quatro anos, o principal colaborador do agora chanceler Celso Amorim.
Mas, de público, disciplinadamente, Graça Lima limitou-se a dizer que não lhe cabia questionar a atitude de seus superiores.
Não questionou mesmo. Na tarde de ontem, enquanto a delegação brasileira se dirigia ao edifício Borschete, QG da negociação, no centro de uma Bruxelas já ensolarada, Graça Lima vestia a gabardine que trouxera de uma manhã de chuva, punha o chapéu e ia para casa, para supervisionar os preparativos para o coquetel que a embaixada ofereceria às delegações do Mercosul à noite.
Justo ele que, ao chegar a Bruxelas, avisara que não havia sido enviado à capital da Europa apenas para fazer cerimonial.
(CLÓVIS ROSSI)


Texto Anterior: Camex diz que não há "acordo pelo acordo"
Próximo Texto: Dança da galinha
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.