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Itamaraty decide afastar negociador
DO ENVIADO ESPECIAL A BRUXELAS
José Alfredo Graça Lima, embaixador do Brasil na União Européia, foi afastado da delegação
brasileira que negocia um acordo
de integração com os europeus
por meio de lacônico telegrama
recebido no sábado, 48 horas antes de iniciar-se mais um CNB
(Comitê de Negociações Birregionais, a mais alta instância técnica
da negociação). O afastamento
não veio em linguagem direta,
mas embrulhado na burocrática
comunicação de que o chefe da
delegação não seria Graça Lima,
mas o embaixador Régis Arslanian, chefe do Departamento de
Negociações Internacionais.
Ocorre que Graça Lima é um
embaixador mais sênior que Arslanian, promovido ao posto máximo da carreira há apenas um
mês, e não poderia, pelas praxes
internas da diplomacia brasileira,
ficar subordinado a ele.
Por isso, sentiu-se relegado e
não está comparecendo às reuniões do CNB, exatamente na reta
final de uma negociação pela qual
ele se sente pessoalmente responsável -ele participou do lançamento do projeto, em 95, quando
era chefe do Departamento Econômico da chancelaria brasileira.
O Itamaraty nega que tenha havido qualquer afastamento. Seu
porta-voz, Ricardo Neiva Tavares, disse à Folha que é "natural"
que quem conduz internamente
as negociações (entre os ministérios e com o setor privado), caso
de Arslanian, chefie também a delegação na hora de sentar-se à mesa com os europeus.
Mas, no CNB anteriormente
realizado em Bruxelas, no mês de
maio, Arslanian já era o encarregado das negociações internas (e
com os parceiros do Mercosul),
mas quem chefiou a delegação
brasileira foi Graça Lima.
O embaixador de 58 anos, 30
deles no Itamaraty, é um dos mais
experimentados negociadores comerciais do Brasil. Acompanhou,
por exemplo, toda a Rodada Uruguai, o ciclo de liberalização comercial negociado entre 86 e 94.
Em parte desse período (91/94),
Graça Lima foi o braço direito do
chanceler, Celso Amorim, então
embaixador em Genebra, a sede
do antigo Gatt (Acordo Geral de
Tarifas e Comércio), hoje OMC.
Graça Lima transformou-se, para a mídia brasileira, quase em sinônimo de negociação comercial,
pois era o técnico responsável por
toda elas, no período em que chefiou a Subsecretaria Geral de Integração Econômica e Comércio.
Só coquetel
É a segunda vez que o embaixador se sente desprestigiado pela
casa a que serve há 30 anos.
Mas a primeira foi na fase final
do governo Fernando Henrique
Cardoso, quando o chanceler era
Celso Lafer, rival do atual ministro de Relações Exteriores, Celso
Amorim.
Graça Lima discordou da criação, em 2001, do cargo de representante especial para o Mercosul,
subordinado à Presidência da República e entregue na ocasião a José Botafogo Gonçalves, outro veterano de negociações comerciais,
que já estava aposentado na carreira.
Embora tivesse sido promovido
a embaixador em 1997, Graça Lima jamais chefiara uma missão
no exterior e achou que chegara a
hora. Preferia ter sido designado
para Genebra, cidade em que serviu por nove anos, em três diferentes períodos.
Mas acabou sendo indicado para Bruxelas, onde, de qualquer
forma, pôde continuar a trabalhar
no seu campo de especialização e
de preferência, o das negociações
comerciais.
Por isso, o telegrama do sábado
causou inevitável choque, ainda
mais que, uma semana antes, havia sido avisado de que chefiaria a
delegação na medida em que o
embaixador Luiz Filipe de Macedo Soares, subsecretário-geral para América do Sul do Itamaraty,
não poderia vir (um subsecretário
pode chefiar um embaixador, ainda mais que Macedo Soares é
mais antigo no posto do que Graça Lima).
Mas, na quinta-feira, Régis Arslanian (chefe de Departamento)
telefonou para avisar que estava
sendo instruído para assumir a
chefia da delegação.
"Não quero fazer um drama,
mas é a minha vida. Sempre considerei um privilégio fazer esse
meu trabalho", desabafou o embaixador com seus mais próximos, conforme a Folha apurou.
A perplexidade de seus auxiliares no casarão da missão brasileira na avenida Franklin Roosevelt
foi tanto maior porque Graça Lima sempre dizia que se orgulhava
de ter sido, durante três ou quatro
anos, o principal colaborador do
agora chanceler Celso Amorim.
Mas, de público, disciplinadamente, Graça Lima limitou-se a
dizer que não lhe cabia questionar
a atitude de seus superiores.
Não questionou mesmo. Na tarde de ontem, enquanto a delegação brasileira se dirigia ao edifício
Borschete, QG da negociação, no
centro de uma Bruxelas já ensolarada, Graça Lima vestia a gabardine que trouxera de uma manhã de
chuva, punha o chapéu e ia para
casa, para supervisionar os preparativos para o coquetel que a embaixada ofereceria às delegações
do Mercosul à noite.
Justo ele que, ao chegar a Bruxelas, avisara que não havia sido enviado à capital da Europa apenas
para fazer cerimonial.
(CLÓVIS ROSSI)
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