São Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Câmbio valorizado cobra seu preço

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Os economistas são extraordinários e profundos filósofos. Um deles, Prêmio Nobel, teve há muitos anos uma inspiração e declarou: "There is no free lunch" (Não há almoço grátis). Foi uma comoção. A frase é até hoje muito citada.
O leitor dirá: é uma platitude. Não há dúvida. Mas é uma platitude que o governo brasileiro, o Banco Central e os economistas e jornalistas chapa-branca às vezes esquecem (ou fingem esquecer).
A valorização do real, por exemplo, ajudou a diminuir a inflação nos últimos meses. No regime de câmbio flutuante, a variação do valor externo da moeda nacional é um dos mecanismos de transmissão da política monetária. A queda do dólar deprimiu os preços de bens e serviços comercializáveis internacionalmente e, via efeitos sobre os IGPs, conteve também as tarifas de serviços públicos, como energia elétrica e telefonia.
Ótimo. Agora, a conta salgada: deterioração das contas externas e a redução do nível da atividade econômica. As exportações de vários setores industriais (calçados, têxteis, eletroeletrônicos) acusam o impacto da perda de competitividade decorrente da valorização. Nesses setores, os volumes vendidos no exterior estão em queda e contratos de exportação estão sendo cancelados.
Ao mesmo tempo, favorecidas pela valorização do real, as importações de calçados e de outros produtos vêm aumentando rapidamente, o que leva o governo a examinar a possibilidade de elevar tarifas alfandegárias para os níveis consolidados na OMC e estabelecer a exigência de pagamento à vista para diversas importações de bens de consumo. De uma maneira geral, pode-se presumir que a diminuição de rentabilidade decorrente do real forte esteja desestimulando os investimentos nos setores que exportam e também naqueles que concorrem com produtos estrangeiros no mercado doméstico.
Em 2005, os dados agregados de exportação de bens (valor e "quantum" exportados) mostram perda de dinamismo. A taxa de crescimento das exportações totais diminuiu de 33% em 2004 para 25% no acumulado do ano até a terceira semana deste mês. E deve diminuir mais até o final de 2005. A Funcex, por exemplo, estima crescimento de 17% no valor total exportado neste ano em relação a 2004. No caso dos manufaturados, mais sensíveis à taxa de câmbio, já se nota uma desaceleração acentuada nos números referentes a março, abril e maio (ver Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior, "Boletim de Comércio Exterior", junho de 2005).
Os resultados só não são piores porque os ventos externos continuam ajudando: a economia mundial cresce em ritmo razoável e, em conseqüência, a demanda externa e os preços de exportação ainda são bastante favoráveis para o Brasil. Além disso, a desaceleração do investimento e do consumo internos, provocada em grande medida pela política de juros do Banco Central, acaba se traduzindo em desaceleração da demanda por importações e contribuindo assim para que, apesar da valorização do real, não ocorra uma deterioração mais rápida da balança comercial.
Não é só na balança comercial que estão aparecendo os efeitos da valorização cambial. No período janeiro-maio deste ano, as despesas com viagens internacionais aumentaram 61% em comparação com igual período do ano passado. Na mesma comparação, as remessas brutas de lucros e dividendos ao exterior subiram 52%. O real forte ajuda a explicar esses resultados, pois barateia o turismo externo e aumenta o equivalente em dólares dos lucros gerados em reais por empresas estrangeiras.
Na raiz da valorização do real, está o escandaloso diferencial de juros entre o Brasil e o resto do mundo. Em junho, a taxa de curto prazo do Brasil alcançou 14% em termos reais. A média de 39 outros países foi apenas 1%. Nenhum banco central pratica juros reais remotamente comparáveis aos nossos (GRC Visão, "Ranking Juros Reais", junho de 2005).
Por isso, repito: tem que aparecer, urgente, algum Roberto Jefferson, que, empostando a voz de barítono de ópera-bufa, diga à diretoria do Banco Central em alto e bom som: "Saiam daí, senhores, rápido!".


Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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