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OPINIÃO ECONÔMICA
Reforma tributária e apartheid alimentar
EDMUNDO KLOTZ
O projeto de reforma tributária,
na primeira versão apresentada
pelo deputado Mussa Demes
(PFL-PI), apesar do mérito quanto ao núcleo central -imposto
cobrado no destino e no fim das
contribuições cumulativas, como
PIS, Cofins e CPMF-, contempla
um conceito ultrapassado: isenção sobre a cesta básica de alimentos. Caso aprovado esse dispositivo, o Brasil estará incentivando um apartheid alimentar.
A cesta básica é um conceito
criado pelo decreto-lei 399, de
30.04.1938, do Estado Novo, que
define a ração essencial do trabalhador. De acordo com o decreto,
todo trabalhador adulto tem direito a uma quantidade mínima
de alimento industrializado, uma
ração básica.
Ora, no mundo que se avizinha
do século 21, não há mais espaço
para um conceito tão discriminatório, pois o cidadão, de qualquer
classe social, deve ter acesso aos
alimentos postos no mercado,
condição a ser propiciada por um
sistema de tributação que garanta
opção de escolha. A cesta básica
nada mais é que a fotografia de
um sistema perverso e injusto de
tributação.
Com um PIB de US$ 830 bilhões, a oitava economia do mundo, o Brasil, não pode mais conviver com um sistema arcaico de
tributação, o mesmo sistema de
um país agrícola e de atividade
primordialmente primária como
era na década de 60. Temos ainda
uma renda "per capita" de R$
5.000/ano e uma taxação de alimentos com carga tributária na
ponta do varejo de 34,7%, enquanto a média mundial está entre 5% e 8%. Significa dizer que,
de cada três latas de ervilha, uma é
do governo; de cada três pacotes
de manteiga, um é do governo.
Os países que compõem o grupo dos 12 mais industrializados
do mundo centram sua tributação em cinco ou seis tributos baseados na riqueza criada, ou seja,
na renda, no consumo e no patrimônio. Já a prática internacional
taxa os alimentos na Europa, Estados Unidos e Canadá em ¬ do valor cobrado no Brasil. E veja-se
que ali a renda "per capita" anual
está em torno dos US$ 25 mil. Verifica-se, portanto, a profunda injustiça que se comete contra o trabalhador de baixa renda em nosso país, afora a restrição de crescimento do mercado consumidor
de alimentos "in natura" e industrializados, nas faixas entre dois e
três salários mínimos, em razão
da estagnação do setor produtivo
e consequente paralisação do
mercado de empregos na indústria e particularmente na agricultura.
O bom senso indica que a melhor alternativa para o país é a taxação de alimentos segundo padrões internacionais, ou seja, uma
alíquota única de 7% a 8% na
ponta final do varejo. Com essa
taxação, o trabalhador teria acesso aos produtos do mercado, livrando-se do apartheid alimentar
imposto pela ditadura da exagerada tributação.
O atual sistema tributário, defasado, é de 1967, quando ocorreu a
substituição do IVC pelo ICM.
Como se vê, o sistema foi centrado no processo de criação de riqueza, na atividade produtiva e
na comercialização. O país, apesar de contar com um parque industrial razoável, em crescimento, ainda era uma economia essencialmente agrícola, que dependia das exportações de commodities para equilibrar sua balança de pagamentos. Hoje, o Brasil, além de produtos agrícolas,
exporta bens duráveis, como
aviões, automóveis, equipamentos eletroeletrônicos, mecânicos
etc.
Apesar dos progressos do Plano
Real e da estabilização da moeda,
mais da metade da população
brasileira está abaixo da linha de
pobreza. Quarenta e nove por
cento da população acima de 10
anos e com rendimento de até
dois salários mínimos detém apenas 13% da renda, contra 51% que
detêm 87% da renda. A tese de diminuição da taxação de alimentos
virá, por consequência, a aumentar a renda das classes de até dois
salários mínimos, com implicações no crescimento da produção
agrícola e aumento do emprego
no campo.
A arrecadação, por sua vez, estará garantida em seus padrões,
pois, embora se reduza a alíquota
de 34,7% para a taxa de 7% a 8%,
o Estado ganhará no sentido horizontal de aumento de volume da
produção, de redução da economia informal e da sonegação. A
redução de 75% na alíquota dos
alimentos vai permitir, ainda, em
duas safras, a criação de 300 mil
empregos diretos na agricultura e
30 mil na indústria. Considerando-se empregos indiretos, como
motoristas, mecânicos, borracheiros, serviços industriais e comerciais nas cidades do interior,
podem-se atingir 400 mil empregos, número superior ao dos assentamentos rurais efetuados nos
últimos anos.
A reforma tributária, em processo de discussão, é a oportunidade singular que o país tem de se
livrar do apartheid alimentar.
Edmundo Klotz, 64, engenheiro químico, é
presidente da Abia (Associação Brasileira das
Indústrias da Alimentação).
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