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OPINIÃO ECONÔMICA
Dispensando o FMI
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O título do artigo parece
meio alucinado. Se não for
bem justificado, o leitor poderá
concluir, com alguma razão, que
o autor destas linhas precisa ser
imediatamente internado no hospício mais à mão.
Vejamos. A velocidade do ajustamento das contas externas tem
sido muito maior do que se esperava. Do que se esperava, leitor,
não há um ano, ou mesmo seis
meses, mas há apenas três meses,
quando foi assinado o acordo do
Brasil com o FMI.
O superávit da balança comercial acumulado nos 12 meses até
outubro já alcança US$ 11,2 bilhões. Nos 12 meses até setembro,
o déficit de balanço de pagamentos em conta corrente (que inclui,
além da balança comercial, serviços, rendas e transferências unilaterais correntes) diminuiu para
US$ 13,1 bilhões.
Os sucessivos e constrangedores
fracassos do governo Fernando
Henrique Cardoso reforçaram a
antiga propensão do brasileiro a
esperar sempre o pior da economia do país. Quando a notícia é
boa, a ficha demora enormemente a cair.
Já existe até quem queira minimizar o que está acontecendo no
âmbito das contas externas brasileiras. "Com tamanha depreciação cambial", afirma-se, "o mínimo que se pode esperar é que as
contas externas se ajustem rapidamente".
Eis aí um exemplo de uma velha conhecida nossa: a fácil sabedoria "ex post" dos economistas.
Somos extraordinários profetas.
Mas do passado, só do passado.
No final de agosto, quando o
Brasil enviou a carta de intenções
ao FMI, o governo esperava um
superávit comercial de apenas
US$ 6 bilhões em 2002 e de US$ 8
bilhões em 2003. O déficit em conta corrente era projetado em US$
18,5 bilhões para 2002 e US$ 17 bilhões para 2003 ("Brazil Letter of
Intent, Memorandum of Economic Policies, and Technical Memorandum of Understanding",
August 29, 2002, www.imf.org).
No mesmo momento, a pesquisa Focus do Banco Central, que
apura periodicamente as previsões de instituições do mercado financeiro e de outros setores para
diversas variáveis macroeconômicas, apontou uma expectativa
mediana para o superávit comercial de US$ 6,5 bilhões em 2002 e
US$ 7,6 bilhões em 2003. Para a
conta corrente do balanço de pagamentos, a expectativa mediana
era de déficits de US$ 18,5 bilhões
em 2002 e de US$ 18 bilhões em
2003 (Focus - Banco Central do
Brasil, Relatório de Mercado, 30
de agosto de 2002,
www.bcb.gov.br).
Essas projeções foram atropeladas pelos resultados dos últimos
dois ou três meses e envelheceram
com uma rapidez estonteante.
Apenas três meses depois a pesquisa do Banco Central indica
que a mediana das expectativas
do mercado para o saldo comercial praticamente dobrou, subindo para US$ 12 bilhões em 2002 e
US$ 15 bilhões em 2003 (Focus, 14
de novembro de 2002). O déficit
em conta corrente é agora projetado em US$ 11 bilhões para 2002
e em apenas US$ 8 bilhões para
2003. Ou seja, o déficit corrente
esperado para o ano que vem é
agora menos da metade do projetado em fins de agosto!
Na última segunda-feira, um
dos diretores do Banco Central
divulgou novas e mais favoráveis
projeções para as contas externas.
Segundo ele, o déficit em conta
corrente ficará, já em 2002, entre
US$ 8 bilhões e US$ 9 bilhões, valor inferior a 2% do PIB! Para
2003, a sua expectativa é um déficit em conta corrente de apenas
1% do PIB.
Todas essas projeções estão, evidentemente, sujeitas a chuvas e
trovoadas. Mas não pode haver
dúvida quanto à importância das
mudanças que vêm ocorrendo
nessa área.
O nosso estrangulamento cambial se configura cada vez mais
como uma crise da conta de capitais do balanço de pagamentos.
Não fosse o desempenho bastante
desfavorável da conta de capitais
autônomos (escassez de empréstimos novos e de linhas de curto
prazo, dificuldades de refinanciamento de créditos em moeda estrangeira, diminuição dos investimentos externos, saídas de capital de residentes etc.), o Brasil já
poderia começar a pensar seriamente em dispensar o problemático "auxílio" do FMI.
O meu espaço acabou. Não consegui, afinal, justificar inteiramente o título do artigo. O leitor
fará a gentileza de adiar, até a semana que vem, o seu julgamento
final sobre o estado mental deste
economista?
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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