São Paulo, quinta-feira, 21 de novembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Dispensando o FMI

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O título do artigo parece meio alucinado. Se não for bem justificado, o leitor poderá concluir, com alguma razão, que o autor destas linhas precisa ser imediatamente internado no hospício mais à mão.
Vejamos. A velocidade do ajustamento das contas externas tem sido muito maior do que se esperava. Do que se esperava, leitor, não há um ano, ou mesmo seis meses, mas há apenas três meses, quando foi assinado o acordo do Brasil com o FMI.
O superávit da balança comercial acumulado nos 12 meses até outubro já alcança US$ 11,2 bilhões. Nos 12 meses até setembro, o déficit de balanço de pagamentos em conta corrente (que inclui, além da balança comercial, serviços, rendas e transferências unilaterais correntes) diminuiu para US$ 13,1 bilhões.
Os sucessivos e constrangedores fracassos do governo Fernando Henrique Cardoso reforçaram a antiga propensão do brasileiro a esperar sempre o pior da economia do país. Quando a notícia é boa, a ficha demora enormemente a cair.
Já existe até quem queira minimizar o que está acontecendo no âmbito das contas externas brasileiras. "Com tamanha depreciação cambial", afirma-se, "o mínimo que se pode esperar é que as contas externas se ajustem rapidamente".
Eis aí um exemplo de uma velha conhecida nossa: a fácil sabedoria "ex post" dos economistas. Somos extraordinários profetas. Mas do passado, só do passado.
No final de agosto, quando o Brasil enviou a carta de intenções ao FMI, o governo esperava um superávit comercial de apenas US$ 6 bilhões em 2002 e de US$ 8 bilhões em 2003. O déficit em conta corrente era projetado em US$ 18,5 bilhões para 2002 e US$ 17 bilhões para 2003 ("Brazil Letter of Intent, Memorandum of Economic Policies, and Technical Memorandum of Understanding", August 29, 2002, www.imf.org).
No mesmo momento, a pesquisa Focus do Banco Central, que apura periodicamente as previsões de instituições do mercado financeiro e de outros setores para diversas variáveis macroeconômicas, apontou uma expectativa mediana para o superávit comercial de US$ 6,5 bilhões em 2002 e US$ 7,6 bilhões em 2003. Para a conta corrente do balanço de pagamentos, a expectativa mediana era de déficits de US$ 18,5 bilhões em 2002 e de US$ 18 bilhões em 2003 (Focus - Banco Central do Brasil, Relatório de Mercado, 30 de agosto de 2002, www.bcb.gov.br).
Essas projeções foram atropeladas pelos resultados dos últimos dois ou três meses e envelheceram com uma rapidez estonteante. Apenas três meses depois a pesquisa do Banco Central indica que a mediana das expectativas do mercado para o saldo comercial praticamente dobrou, subindo para US$ 12 bilhões em 2002 e US$ 15 bilhões em 2003 (Focus, 14 de novembro de 2002). O déficit em conta corrente é agora projetado em US$ 11 bilhões para 2002 e em apenas US$ 8 bilhões para 2003. Ou seja, o déficit corrente esperado para o ano que vem é agora menos da metade do projetado em fins de agosto!
Na última segunda-feira, um dos diretores do Banco Central divulgou novas e mais favoráveis projeções para as contas externas. Segundo ele, o déficit em conta corrente ficará, já em 2002, entre US$ 8 bilhões e US$ 9 bilhões, valor inferior a 2% do PIB! Para 2003, a sua expectativa é um déficit em conta corrente de apenas 1% do PIB.
Todas essas projeções estão, evidentemente, sujeitas a chuvas e trovoadas. Mas não pode haver dúvida quanto à importância das mudanças que vêm ocorrendo nessa área.
O nosso estrangulamento cambial se configura cada vez mais como uma crise da conta de capitais do balanço de pagamentos. Não fosse o desempenho bastante desfavorável da conta de capitais autônomos (escassez de empréstimos novos e de linhas de curto prazo, dificuldades de refinanciamento de créditos em moeda estrangeira, diminuição dos investimentos externos, saídas de capital de residentes etc.), o Brasil já poderia começar a pensar seriamente em dispensar o problemático "auxílio" do FMI.
O meu espaço acabou. Não consegui, afinal, justificar inteiramente o título do artigo. O leitor fará a gentileza de adiar, até a semana que vem, o seu julgamento final sobre o estado mental deste economista?


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail - pnbjr@attglobal.net


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