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São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Políticas públicas e lobbies

A incapacidade do país de superar os obstáculos sem ser por meio das crises é resultado direto da definição que Nelson Rodrigues dava ao subdesenvolvimento: é um estado de espírito. Foi o que procurei demonstrar nas colunas anteriores.
Mais do que blague do grande cronista, o ponto central do subdesenvolvimento está na consolidação de estereótipos, na incapacidade de pensar de forma autônoma, a maneira subserviente de se colocar diante de teorias, de não exigir a explicitação de relações causais, de não procurar entender a racionalidade (ou não) existente por trás de cada slogan brandido.
Esse subdesenvolvimento -que marca intensamente o debate econômico contemporâneo, como marcou em outros períodos da vida nacional- acabou conferindo, historicamente, um poder absurdo ao chamado especialista, os bacharéis e/ou financistas de todos os tempos.
Quantas vezes, nos anos 80, se ouvia que ser contra a reserva de mercado era ser contra o país? Quantas vezes se ouviu nos anos 90 que ser contra a apreciação cambial era ser contra a modernidade? Em todas essas discussões não se tinha um modelo de país pela frente, o país que se pretende daqui a 10, 20, 30 anos. O que se tinha e se tem é meramente um jogo de interesses, no qual os argumentos de lado a lado se subordinam à lógica do setor defendido, não à do país.
O país necessita de indústrias próprias e de multinacionais, de sistema financeiro sólido, de pequenas e médias empresas pujantes, de bancos de investimento atuantes, de grandes exportadores. Mas o papel de cada um tem que ser analisado dentro da lógica da contribuição que deve dar ao desenvolvimento. Se se exagera na proteção à indústria nacional, se perde competitividade. Se se exagera na proteção ao setor financeiro, se atrofia a economia real.
Nesse modelo, setores sem voz -como médias, pequenas e microempresas-, fundamentais para um desenvolvimento equilibrado, jamais terão vez.
No fundo, o grande desafio nacional será consolidar um discurso que subordine os interesses setoriais a uma lógica de país. O que se quer do país daqui a 20 anos? Uma renda per capita de US$ 5.000, redução das desigualdades sociais, uma posição dominante em alguns setores da economia mundial? O que é necessário para chegar lá, quanto investir em infra-estrutura, em educação, em pesquisa? Qual o papel que se espera da poupança interna e do capital externo? A partir daí é que se começam a traçar as políticas.
Esse é o grande desafio do subdesenvolvimento. O resto -mudar câmbio, juros, reestruturar dívida ou seja lá o que for necessário- é decorrência da tomada de consciência, uma mera questão operacional.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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