São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

A nova onda de "choque e pavor"


Mercado volta a aplicar dólar a juro zero a fim de fugir do risco, em pânico de calotes e deflação; real vai sofrer mais

O MUNDO RICO voltou a guardar dinheiro no colchão. Colchão é um apelido para os títulos do Tesouro americano: investidores compram tais papéis para fugir de qualquer risco. Os títulos já não vinham rendendo nada. Quanto mais são comprados, menos rendem. O mais recente ataque de pânico dessa intensidade ocorrera dois dias após a quebra do Lehman Brothers, em 15 de setembro. Naquela semana de "choque e pavor", de quebra em série de instituições financeiras, o mercado de crédito mundial entrou em colapso e parou. O rendimento do Treasury de três meses foi então a 0,03%, inédito desde a Segunda Guerra. Ontem, esse termômetro do pânico voltou a 0,03%.
O medo da deflação e de falências de empresas parece influenciar essa nova onda de pavor sem choque mais específico. O desemprego nos EUA cresce ao ritmo da recessão de 1991 (e a de agora mal começa). O S&P, o mais amplo índice de ações americano, caiu ao nível de 1997.
Despencaram os papéis do Citi (26%) e do JPMorgan (19%), pois teme-se o efeito da onda de calotes da economia "real" sobre os bancos.
Perdas, recomposição de carteiras de investimento e fuga do risco derrubaram moedas periféricas, como têm feito com o real. O won coreano e a rúpia indonésia caíram ontem ao nível da crise asiática de 1997. Desde agosto, pico do real forte, o dólar avançou 53% ante a moeda brasileira. E também 52% ante o dólar australiano, outra moeda usada em especulação e de um país dependente de commodities, como o Brasil. A fuga do risco e o desmonte da especulação fortaleceram o dólar e o iene até diante de moedas fortes. Desde agosto, o dólar avançou 24% ante o euro e 33% ante a libra. Não se trata de opção por países com juros maiores nem com maior crescimento. É puro pânico e desmonte.
Em outubro, os preços no varejo caíram 1% nos EUA. O dado é ainda pontual, num mês de quedas bruscas nos preços de petróleo e comida, mas os produtos fora do "núcleo" da inflação também caíram. O Fed não acredita em deflação, mas admite que cresceu o risco de que a praga ocorra. Deflação é tanto um sintoma grave como um vírus. Por um lado, significa retração violenta e duradoura de consumo (e então mais desemprego, mais falências, mais calote etc.). Por outro, reduz os valores de ativos em relação às dívidas, tornando-as maiores. A praga consumiu uma década de crescimento da economia japonesa dos anos 1990.
O Fed tenta inflacionar a economia. A taxa básica efetiva de juros nos EUA tem flutuado em torno de 0,35%, apesar de a meta do Fed ser 1%. O Fed teria de enxugar o dinheiro no mercado a fim de cumprir sua meta -deixou de fazê-lo ou não consegue. A política monetária via fixação de metas para juros perde o sentido. Se houver deflação ou menos inflação, a taxa do Fed fica menos negativa em termos reais, o que equivale a uma alta de juros, na prática. Como o Fed quase não tem mais como cortar, terá de despejar mais dinheiro no mercado, comprando títulos do Tesouro, fazendo política monetária "quantitativa".
Trata-se de uma dimensão tenebrosa e estranha no mundo da política econômica: quando instrumentos tradicionais começam a perder eficácia para atenuar a crise violenta.

vinit@uol.com.br


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