São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2004

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MADE IN CHINA

No exterior, empresas tentam desassociar imagem de produtos da falta de qualidade, mas preços continuam baixos

Chineses investem em marcas próprias

Marcos Peron - 30.jan.04/Folha Imagem
Showroom da empresa de tecnologia chinesa Huawei, que já fornece equipamentos para o mercado de telecomunicações brasileiro, no Tech Park, em Campinas


CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de estampar o "Made in China" nas etiquetas de centenas de marcas consagradas de outros países, a China começa a investir na expansão de suas próprias marcas, impulsionadas pelo ganho de escala proporcionado por um mercado de 1,3 bilhão de potenciais consumidores em casa.
Nomes como Haier, SVA, Gree, Huawei, ZTE e Legend ultrapassaram as fronteiras do território chinês e disputam mercado com rivais já consolidadas, em uma ampla estratégia de expansão internacional.
Algumas delas já chegaram ao Brasil e começam a conquistar espaço com uma mescla de preços baixos e produtos testados por milhões de consumidores.
Mas há um longo caminho a ser percorrido antes que a China apague a imagem de ausência de sofisticação associada a seus produtos e consiga deter grandes marcas, algo que os coreanos conseguiram fazer com a Samsung e, mais recentemente, com a LG.
Apesar de ainda desconhecidas do grande público, a Huawei e a ZTE já causam preocupação no mercado de telecomunicações brasileiro, para o qual fornecem equipamentos.
"Para mim, as empresas chinesas são nossas principais concorrentes", afirma Raul Del Fiol, diretor-presidente da Trópico, uma das poucas companhias de capital nacional que fornecem produtos para concessionárias de telecomunicações, como Telefônica, Telemar ou Brasil Telecom.
Até há pouco tempo, Del Fiol só tinha de se preocupar com as grandes marcas européias e norte-americanas, que dominam esse mercado globalmente, entre as quais estão Alcatel, Siemens, Nortel e Lucent.

Financiamento
Além de serem agressivos nos preços -que às vezes chegam à metade dos praticados pelos concorrentes-, os chineses oferecem ao comprador financiamento do Banco da China, com prazo e taxas de juros difíceis de serem encontradas no mercado local.
Mesmo assim, eles têm de vencer a desconfiança dos potenciais clientes. Edson Melo, diretor de desenvolvimento estratégico da ZTE no Brasil, dedicou o último ano a um intenso trabalho de divulgação da marca no país.
"Quando a gente fala de um produto chinês, sempre vem à cabeça a imagem de um produto barato e de baixa qualidade", observa Melo. A ZTE chegou ao Brasil em 2002 e, em março, vai inaugurar sua primeira fábrica, em São Paulo, na qual foram investidos US$ 2 milhões.
Por enquanto, a ZTE tem um único cliente, a Tmais, que explora serviços de telefonia fixa no interior do Rio Grande do Sul.
José Francisco Cavalcante, diretor de operações da Tmais, diz que o financiamento e a oferta de suporte técnico e serviços sem custo adicional foram fatores decisivos para a escolha da ZTE.
Outra empresa chinesa de telecomunicações, a Huawei, está um passo adiante, e já forneceu equipamentos para grandes nomes, como Telemar, Telefônica, Embratel e Brasil Telecom.
De propriedade dos empregados, a empresa se instalou no Brasil em 2001 e, por enquanto, atua com produtos importados da China, apesar de ter uma fábrica em Campinas (95 quilômetros a noroeste de São Paulo).
No ano passado, a Huawei faturou US$ 50 milhões no Brasil, segundo seu diretor de marketing, Vincent Zhang Wen Gang. A previsão da companhia é elevar a cifra a US$ 70 milhões em 2004 e a US$ 100 milhões em 2005.
O faturamento global da Huawei em 2003 foi de US$ 4 bilhões, US$ 1 bilhão dos quais obtidos fora da China. A ZTE, que é estatal, faturou US$ 3,1 bilhões, com participação de 30% das vendas no mercado internacional.

Conquista de confiança
No processo de conquista de confiança dos novos mercados, tanto a Huawei como a ZTE costumam levar potenciais clientes a conhecer suas instalações na China e usar os impressionantes números daquele mercado como atestado de eficiência.
A indústria de telecomunicações chinesa cresceu a uma média de 20% ao ano desde 1997 e o país tem hoje a maior estrutura do mundo nesse setor: 260 milhões de linhas fixas, 264 milhões de telefones celulares e quase 60 milhões de usuários de internet.
"O Brasil está tentando chegar a 1 milhão de usuários de ADSL [a internet rápida] e, na China, só a ZTE tem 4 milhões de usuários dessa tecnologia", destaca Melo.
Por enquanto, a maioria das grandes empresas chinesas concentra a expansão em países em desenvolvimento, mas algumas já se aventuram em mercados desenvolvidos, como a Haier, quinta maior fabricante mundial de eletrodomésticos de linha branca.
A grande dúvida é saber se terão sucesso. "Criar e sustentar marcas em mercados desenvolvidos é complexo, caro e incerto", diz um estudo da consultoria McKinsey.
Para os analistas Paul Gao, Jonhathan Woetzel e Yibing Wu, o maior obstáculo no caminho das marcas chinesas é a ausência de tradição na área de marketing. "Foram necessários anos e uma boa quantidade de dinheiro antes que as grandes fabricantes de eletrônicos japonesas e coreanas se estabelecessem fora de seus países", ressalta o estudo.
Mas é inegável que a consolidação de marcas próprias é um negócio muito mais lucrativo do que a fabricação de produtos para marcas alheias. É também o caminho trilhado por todas as grandes economias do mundo em seu processo de desenvolvimento -basta lembrar nomes como Toshiba (Japão), BMW (Alemanha), Renault (França) e McDonald's (Estados Unidos).


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