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ATRASO
Mudança na defesa da concorrência vai ao Congresso sem expectativa de aprovação até 2006; outros projetos são engavetados
"Efeito Severino" dificulta reformas, vê governo
VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Listada no rol de prioridades da
agenda econômica do governo, a
reforma do sistema de defesa da
concorrência será enviada ao
Congresso Nacional no próximo
mês sem expectativa de aprovação até o final do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A avaliação de setores do governo envolvidos na discussão é que
o "efeito Severino" -vitória do
deputado Severino Cavalcanti
(PP-PE) nas eleições para a presidência da Câmara- comprometerá a agenda de reformas microeconômicas traçada pela equipe
econômica no final do ano passado para assegurar o crescimento
sustentado.
Parte das propostas que seriam
enviadas ao Legislativa deverá
permanecer na gaveta, e os projetos que forem encaminhados exigirão esforço redobrado do governo para serem aprovados.
Nesse contexto, são pequenas as
chances de um projeto "sem apelo", como a reforma na defesa da
concorrência, ganhar a atenção
dos parlamentares. Ainda assim,
a ordem é enviá-lo.
A Folha apurou que o governo
usará a novela da fusão Nestlé/
Garoto para tornar a reforma da
concorrência mais palatável para
deputados e senadores. Embora a
Garoto tenha sido comprada pela
multinacional suíça em 2002, no
ano passado a operação foi vetada
pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), e até
hoje o assunto se arrasta no conselho.
A proposta do novo Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência é uma versão remodelada
do projeto elaborado no governo
Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002).
Para o governo, o principal objetivo da reforma é tirar o peso
que atualmente a análise de fusões e aquisições exerce sobre o
sistema. Com isso, o foco de atuação passaria a ser a análise de condutas -leia-se, combate a cartéis.
A cartelização em setores estratégicos da economia -aço, por
exemplo-vem afetando os índices de inflação de forma preocupante.
Análise prévia
O projeto funde a SDE (Secretaria de Direito Econômico) ao Cade e dá novas atribuições à Seae
(Secretaria de Acompanhamento
Econômico). O conselho ganha
uma diretoria-geral e um Departamento de Estudos Econômicos.
O novo Cade continuará vinculado ao Ministério da Justiça.
As operações de fusão passarão
a ser analisadas previamente pelo
sistema. Somente após o sinal verde do Cade, o negócio será efetivado. Hoje, a análise é feita depois
da operação concluída.
Para dar agilidade aos processos, os casos serão avaliados e decididos pelo diretor-geral do Cade. Na prática, apenas processos
de maior complexidade serão
submetidos ao tribunal administrativo.
Pelas regras atuais, a Seae e a
SDE emitem pareceres sobre as
operações, assim como o Ministério Público Federal e a Procuradoria do Cade. Em seguida, os processos são julgados pelo tribunal
-decisão colegiada.
"O Cade tem prestígio hoje porque é um colegiado. Suas deliberações são abertas ao público. No
projeto, as decisões serão monocráticas. É muito poder para o diretor-geral", critica o advogado
na área de defesa da concorrência
Pedro Dutra.
"É um equívoco misturar falta
de transparência com decisão
monocrática. Na história da República, muitas decisões colegiadas absurdas foram tomadas e
ninguém sabe como", rebate o secretário de Direito Econômico,
Daniel Goldberg.
Ele argumenta que o projeto
cria três filtros que bloquearão
tentativas de abuso de poder por
parte do diretor-geral. Suas decisões poderão ser reanalisadas pelo tribunal se: o próprio tribunal
quiser, uma empresa concorrente
ou entidade solicitar ou a Seae
apresentar recurso. "O Cade passará a ser um órgão revisor", avalia Dutra.
Transição
As críticas ao projeto do governo não ficam apenas no excesso
de poder para o diretor-geral -já
batizado de "xerife da concorrência". O ex-presidente do Cade
Gesner Oliveira elogia a proposta,
mas ele ressalta três pontos que
deveriam ser tratados como salvaguardas.
"A aprovação do projeto tem de
estar condicionada à aprovação
da carreira técnica de defesa da
concorrência. Se o sistema não tiver agilidade, negócios serão inviabilizados", afirma Gesner Oliveira.
O economista diz ainda que a
reforma deveria ter uma fase de
transição -com um prazo de seis
meses a um ano para todas as regras entrarem em vigor- e simplificar mais as regras do sistema.
"Deveria ser excessivamente
desburocratizante. Seria preciso
estabelecer um prazo de até 30
dias para a análise das operações,
como nos EUA. O projeto não estabelece um prazo final, mas parcelados", concluiu.
O secretário Goldberg adianta
que o governo pretende incluir no
projeto a transição, pois considera a idéia interessante. Ele ressalta
ainda que, pela primeira vez, o
projeto tem consenso entre Seae,
Cade e SDE.
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