São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

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ATRASO

Mudança na defesa da concorrência vai ao Congresso sem expectativa de aprovação até 2006; outros projetos são engavetados

"Efeito Severino" dificulta reformas, vê governo

VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Listada no rol de prioridades da agenda econômica do governo, a reforma do sistema de defesa da concorrência será enviada ao Congresso Nacional no próximo mês sem expectativa de aprovação até o final do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A avaliação de setores do governo envolvidos na discussão é que o "efeito Severino" -vitória do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) nas eleições para a presidência da Câmara- comprometerá a agenda de reformas microeconômicas traçada pela equipe econômica no final do ano passado para assegurar o crescimento sustentado.
Parte das propostas que seriam enviadas ao Legislativa deverá permanecer na gaveta, e os projetos que forem encaminhados exigirão esforço redobrado do governo para serem aprovados. Nesse contexto, são pequenas as chances de um projeto "sem apelo", como a reforma na defesa da concorrência, ganhar a atenção dos parlamentares. Ainda assim, a ordem é enviá-lo.
A Folha apurou que o governo usará a novela da fusão Nestlé/ Garoto para tornar a reforma da concorrência mais palatável para deputados e senadores. Embora a Garoto tenha sido comprada pela multinacional suíça em 2002, no ano passado a operação foi vetada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), e até hoje o assunto se arrasta no conselho.
A proposta do novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência é uma versão remodelada do projeto elaborado no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Para o governo, o principal objetivo da reforma é tirar o peso que atualmente a análise de fusões e aquisições exerce sobre o sistema. Com isso, o foco de atuação passaria a ser a análise de condutas -leia-se, combate a cartéis.
A cartelização em setores estratégicos da economia -aço, por exemplo-vem afetando os índices de inflação de forma preocupante.

Análise prévia
O projeto funde a SDE (Secretaria de Direito Econômico) ao Cade e dá novas atribuições à Seae (Secretaria de Acompanhamento Econômico). O conselho ganha uma diretoria-geral e um Departamento de Estudos Econômicos. O novo Cade continuará vinculado ao Ministério da Justiça.
As operações de fusão passarão a ser analisadas previamente pelo sistema. Somente após o sinal verde do Cade, o negócio será efetivado. Hoje, a análise é feita depois da operação concluída.
Para dar agilidade aos processos, os casos serão avaliados e decididos pelo diretor-geral do Cade. Na prática, apenas processos de maior complexidade serão submetidos ao tribunal administrativo.
Pelas regras atuais, a Seae e a SDE emitem pareceres sobre as operações, assim como o Ministério Público Federal e a Procuradoria do Cade. Em seguida, os processos são julgados pelo tribunal -decisão colegiada.
"O Cade tem prestígio hoje porque é um colegiado. Suas deliberações são abertas ao público. No projeto, as decisões serão monocráticas. É muito poder para o diretor-geral", critica o advogado na área de defesa da concorrência Pedro Dutra.
"É um equívoco misturar falta de transparência com decisão monocrática. Na história da República, muitas decisões colegiadas absurdas foram tomadas e ninguém sabe como", rebate o secretário de Direito Econômico, Daniel Goldberg.
Ele argumenta que o projeto cria três filtros que bloquearão tentativas de abuso de poder por parte do diretor-geral. Suas decisões poderão ser reanalisadas pelo tribunal se: o próprio tribunal quiser, uma empresa concorrente ou entidade solicitar ou a Seae apresentar recurso. "O Cade passará a ser um órgão revisor", avalia Dutra.

Transição
As críticas ao projeto do governo não ficam apenas no excesso de poder para o diretor-geral -já batizado de "xerife da concorrência". O ex-presidente do Cade Gesner Oliveira elogia a proposta, mas ele ressalta três pontos que deveriam ser tratados como salvaguardas.
"A aprovação do projeto tem de estar condicionada à aprovação da carreira técnica de defesa da concorrência. Se o sistema não tiver agilidade, negócios serão inviabilizados", afirma Gesner Oliveira.
O economista diz ainda que a reforma deveria ter uma fase de transição -com um prazo de seis meses a um ano para todas as regras entrarem em vigor- e simplificar mais as regras do sistema.
"Deveria ser excessivamente desburocratizante. Seria preciso estabelecer um prazo de até 30 dias para a análise das operações, como nos EUA. O projeto não estabelece um prazo final, mas parcelados", concluiu.
O secretário Goldberg adianta que o governo pretende incluir no projeto a transição, pois considera a idéia interessante. Ele ressalta ainda que, pela primeira vez, o projeto tem consenso entre Seae, Cade e SDE.


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