São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2009

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No Brasil, estrangeiros perdem trabalho

Imigrantes de países vizinhos como Peru e Bolívia enfrentam dificuldades para conseguir novas vagas

VERENA FORNETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"No hay trabajo", repetem imigrantes peruanos, paraguaios e bolivianos que perderam o emprego em pequenas fábricas de costura afetadas pela crise mundial. Como muitos estão irregulares no país, estão apartados da discussão sobre a ampliação das parcelas do seguro-desemprego e, sem ninguém para quem reclamar, alguns foram demitidos sem nem receber os dias trabalhados.
Com a retração no consumo e o medo de que o pior ainda esteja por vir, janeiro, que costuma ser um mês fraco para a indústria têxtil, ficou ainda mais difícil neste ano. Segundo a Bolbra, associação que representa donos de fábricas de costura da comunidade boliviana, as encomendas de roupas caíram cerca de 50% em janeiro ante o mesmo mês de 2008.
Com rendimento vinculado à produção, o salário também recuou. Cada peça costurada rende de R$ 0,50 a R$ 3,00 ao trabalhador, segundo o número de horas de trabalho. "Pedimos para não pagarem tão pouco porque R$ 0,50 não é nada", diz Marcos Herminio Canaviri, secretário-geral da Bolbra.
"Tem de trabalhar muito para ganhar pouco", resume o padre Mário Geremia, coordenador da Pastoral do Migrante da Igreja Católica.
María (nome fictício), 30, foi demitida em dezembro, pouco antes do Natal. Ela recebia no final do ano R$ 250 ao mês por uma jornada de trabalho que começava às 7h e terminava às 22h30. Às 12h em ponto, na única parada do dia, ela e dois filhos, de quatro e dois anos, recebiam a marmita com arroz, salada e carne. "Quando me mandaram embora, não me pagaram muito bem. Disseram que eu produzia muito pouco."
A peruana Catalina (nome fictício), 34, também perdeu o emprego no final do ano em uma oficina de costura em São Paulo. "Não tinha mais encomendas. Agora estou procurando outro trabalho, mas não consigo achar nada." Catalina pensa em voltar para o Peru, mas o sonho de que o filho de 15 anos e os seus outros dois meninos menores cheguem à universidade no Brasil adia a volta.
Dificilmente os imigrantes voltam de vez para o país de origem, afirma Luiz Bassegio, secretário do Grito dos Excluídos Continental, movimento que defende inclusão na sociedade.
Ele, que há 20 anos defende a ampliação dos direitos do imigrante, destaca que, além da esperança de obter trabalho, o sistema educacional e o acesso universalizado à saúde estimulam a permanência dos estrangeiros. O real valorizado ante as moedas vizinhas é outro fator que estimula a permanência.
Um real vale cerca de 3 bolivianos e aproximadamente 2.200 guaranis, a moeda oficial do Paraguai. "Aquilo que os EUA representam para os brasileiros, o Brasil representa para bolivianos, paraguaios e peruanos", afirma Bassegio.

Fila do emprego
Quando não conseguem trabalho fixo, mesmo que sem carteira assinada, os estrangeiros que não se regularizaram e os brasileiros que não encontram vaga e se abrigam em instituições que atendem migrantes recorrem a serviços temporários sub-remunerados.
Maria Isabel Barbosa, coordenadora do Arsenal da Esperança, que abriga mais de 1.100 homens em São Paulo, diz que, às 7h, há uma fila de caminhões que recruta mão-de-obra na instituição. "Os meninos participaram da montagem dos palcos para o show da Madonna e agora fizeram a preparação do Carnaval no Anhembi."
Segundo ela, a remuneração pode ser de R$ 15 ao dia, com dever de dormir no emprego e de só retornar à casa quando a empreitada terminar.
O problema é que os estrangeiros nem sempre conseguem receber. É o caso de Paul (nome fictício), africano de 26 anos que já passou pela casa e desde dezembro tenta receber o pagamento pela montagem da estrutura que abrigaria um evento em São Paulo. "Os africanos estão abandonados", afirma o padre Geremia.


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