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OPINIÃO ECONÔMICA
Efeitos da "doutrina Bush"
GESNER OLIVEIRA
Guerra tecnológica não
é como futebol. Não costuma
dar zebra. O Botafogo surpreendeu o São Caetano dentro do
Anacleto Campanella na última
quarta, mas as tropas dos EUA
marchavam sem grandes dificuldades rumo a Bagdá, de acordo
com as notícias de ontem à tarde.
As finais dos campeonatos regionais perderam o brilho diante
do espetáculo macabro dos bombardeios, transmitidos ao vivo e
em cores para o planeta. Não poderia haver efeito demonstração
mais eficiente para aqueles que
ousarem ultrapassar os limites
impostos pelos EUA em qualquer
um dos continentes.
No curto prazo os efeitos de
uma guerra curta serão positivos.
Os resultados das Bolsas e dos
mercados de moeda indicavam
uma avaliação quase unânime de
que não haverá um choque externo desfavorável para a economia
mundial mediante aumento do
preço do petróleo.
Os impactos imediatos para o
Brasil são igualmente tranquilizadores. As circunstâncias atuais
contrastam em tudo com aquilo
que ocorreu nos choques do petróleo nos anos 70. O país importa
apenas um quinto de seu consumo aparente de petróleo, e a política econômica de um governo do
PT é curiosamente mais conservadora do que a das administrações militares daquela época.
Em se confirmando um conflito
de curta duração, cairá a aversão
ao risco dos investidores, com
efeitos positivos sobre os países
emergentes. Esses últimos devem
ser maiores no caso brasileiro, refletindo a menor incerteza em relação aos rumos da política econômica do novo governo.
Os benefícios da adoção do tripé
da política macroeconômica da
administração anterior pelo governo Lula ainda não foram integralmente colhidos em razão da
guerra. Não surpreende, portanto, que o risco Brasil tenha declinado nesta semana.
É no médio prazo que as consequências da guerra preocupam. A
"doutrina Bush" acarreta um elevado ônus para o Orçamento dos
EUA, comprometendo ainda
mais a saúde da política fiscal do
país. Os déficits futuros significarão juros maiores e menores possibilidades de crescimento para a
maior economia do mundo.
No plano internacional, o frágil
multilateralismo que se construiu
depois das 2ª Guerra Mundial foi
duramente golpeado. O enfraquecimento da ONU também repercutirá, ainda que em menor
medida, em organismos como a
OMC (Organização Mundial do
Comércio).
Isso implicará uma maior lentidão da chamada Rodada do Milênio, inibindo avanços maiores
na liberalização do comércio, especialmente de produtos agrícolas que interessam aos países em
desenvolvimento.
Não resta dúvida de que o impasse na OMC paralisa as negociações em blocos que interessam
ao Brasil, como a Alca (Área de
Livre Comércio das Américas). Isso porque as concessões dos EUA
tenderão a ser menos atraentes
(já são muito tímidas), diminuindo o interesse para o Brasil. E sem
contar o efeito político do irracional, mas forte, sentimento antiamericano em decorrência do ataque unilateral ao Iraque.
Os pais que corretamente proíbem seus filhos de jogar videogames cada vez mais violentos terão
de enfrentar o constrangimento
nos próximos dias de explicar a
que eles estão assistindo no horário nobre. É pouco comparado
com os desafios que a economia
mundial enfrentará nos próximos
anos.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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