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São Paulo, sábado, 22 de março de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Efeitos da "doutrina Bush"

GESNER OLIVEIRA

Guerra tecnológica não é como futebol. Não costuma dar zebra. O Botafogo surpreendeu o São Caetano dentro do Anacleto Campanella na última quarta, mas as tropas dos EUA marchavam sem grandes dificuldades rumo a Bagdá, de acordo com as notícias de ontem à tarde.
As finais dos campeonatos regionais perderam o brilho diante do espetáculo macabro dos bombardeios, transmitidos ao vivo e em cores para o planeta. Não poderia haver efeito demonstração mais eficiente para aqueles que ousarem ultrapassar os limites impostos pelos EUA em qualquer um dos continentes.
No curto prazo os efeitos de uma guerra curta serão positivos. Os resultados das Bolsas e dos mercados de moeda indicavam uma avaliação quase unânime de que não haverá um choque externo desfavorável para a economia mundial mediante aumento do preço do petróleo.
Os impactos imediatos para o Brasil são igualmente tranquilizadores. As circunstâncias atuais contrastam em tudo com aquilo que ocorreu nos choques do petróleo nos anos 70. O país importa apenas um quinto de seu consumo aparente de petróleo, e a política econômica de um governo do PT é curiosamente mais conservadora do que a das administrações militares daquela época.
Em se confirmando um conflito de curta duração, cairá a aversão ao risco dos investidores, com efeitos positivos sobre os países emergentes. Esses últimos devem ser maiores no caso brasileiro, refletindo a menor incerteza em relação aos rumos da política econômica do novo governo.
Os benefícios da adoção do tripé da política macroeconômica da administração anterior pelo governo Lula ainda não foram integralmente colhidos em razão da guerra. Não surpreende, portanto, que o risco Brasil tenha declinado nesta semana.
É no médio prazo que as consequências da guerra preocupam. A "doutrina Bush" acarreta um elevado ônus para o Orçamento dos EUA, comprometendo ainda mais a saúde da política fiscal do país. Os déficits futuros significarão juros maiores e menores possibilidades de crescimento para a maior economia do mundo.
No plano internacional, o frágil multilateralismo que se construiu depois das 2ª Guerra Mundial foi duramente golpeado. O enfraquecimento da ONU também repercutirá, ainda que em menor medida, em organismos como a OMC (Organização Mundial do Comércio).
Isso implicará uma maior lentidão da chamada Rodada do Milênio, inibindo avanços maiores na liberalização do comércio, especialmente de produtos agrícolas que interessam aos países em desenvolvimento.
Não resta dúvida de que o impasse na OMC paralisa as negociações em blocos que interessam ao Brasil, como a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Isso porque as concessões dos EUA tenderão a ser menos atraentes (já são muito tímidas), diminuindo o interesse para o Brasil. E sem contar o efeito político do irracional, mas forte, sentimento antiamericano em decorrência do ataque unilateral ao Iraque.
Os pais que corretamente proíbem seus filhos de jogar videogames cada vez mais violentos terão de enfrentar o constrangimento nos próximos dias de explicar a que eles estão assistindo no horário nobre. É pouco comparado com os desafios que a economia mundial enfrentará nos próximos anos.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br



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