UOL


São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TRABALHO

Objetivo é eliminar artigos que estão em desuso, ultrapassados ou garantidos pela Constituição ou por outras leis

Governo Lula prepara "limpeza" na CLT

CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério do Trabalho tem quase pronto um anteprojeto de lei que elimina pelo menos 100 artigos -de um total de 922- da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
A primeira "faxina" na legislação trabalhista não foi ainda discutida com a sociedade. O governo entende que os artigos extintos até agora pelo anteprojeto -a "limpeza" na CLT ainda não terminou- estão em desuso, ultrapassados ou garantidos na Constituição ou em leis específicas.
Até a primeira quinzena de maio, o anteprojeto deverá estar pronto para ser revisto pelo ministro do Trabalho, Jaques Wagner, que pode consultar representantes dos trabalhadores, das empresas e da Justiça do Trabalho.
Em seguida, o texto será encaminhado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deverá enviá-lo para o Congresso Nacional.
Os artigos mais polêmicos que o anteprojeto elimina são os que tratam da duração e das condições do trabalho da mulher, da concessão de férias para quem tem mais de 50 anos e da prestação de serviços nas férias.
O artigo 384 da CLT, que o ministério quer extinguir, diz que a mulher tem direito a descanso de 15 minutos entre o término da jornada de trabalho normal e o início da adicional.
"Isso valia para o período em que a CLT foi editada, em 1943, quando o entendimento era que a mulher era frágil. Hoje, elas até dirigem caminhão", afirma Otávio Brito, consultor jurídico do ministério, encarregado de "limpar" a CLT.
"Imagine uma mulher que chefia uma seção composta por homens ter de parar seu trabalho por 15 minutos para poder cumprir a lei. Isso não faz sentido."
O ministério não quer alterar os artigos que garantem direitos, como licença-maternidade de 120 dias e estabilidade no emprego até cinco meses após o parto. "Esse tipo de proteção é compatível com os dias de hoje."
O parágrafo 2º do artigo 134 da CLT diz que os menores de 18 anos e os maiores de 50 anos terão férias corridas -de uma só vez. O anteprojeto extingue as férias corridas para quem tem mais de 50 anos.
"A expectativa de vida [do brasileiro] aumentou. Não dá mais para considerar que uma pessoa que tem mais de 50 anos precise dessa proteção. Os próprios trabalhadores hoje preferem dividir o período de férias em até três vezes", diz Brito.
No caso dos menores de 18 anos, o Ministério do Trabalho quer levar a discussão para o Fórum Nacional do Trabalho, que será formado no próximo mês por representantes dos trabalhadores, das empresas e do governo.
O artigo 138 -o anteprojeto também o elimina- diz que o empregado não poderá prestar serviço a outra empresa durante as férias, a não ser que seja obrigado a fazê-lo por contrato de trabalho. Com a eliminação desse artigo, o empregado poderá trabalhar nas férias.
Com a redução da jornada de trabalho e com o desemprego, muitos profissionais já trabalham nas férias, no entender do consultor, porque precisam completar o orçamento. "Manter esse artigo [o 138] só cria confusão para o empregado", afirma.
Para o ministério, "limpar" a CLT significa retirar as "células mortas" da lei sem que isso implica a retirada de direitos já conquistados pelos trabalhadores, como férias, 13º salário, licença-maternidade, jornada de trabalho de 44 horas e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Os artigos que não estiverem incluídos nessa primeira etapa de mudanças na lei trabalhista deverão ser discutidos, segundo Brito, no fórum trabalhista.
"Acho temerária a iniciativa do Ministério do Trabalho, pois ela desqualifica o Fórum Nacional do Trabalho na medida em que presume o que seria consenso", afirma o advogado Luis Carlos Moro.
"O anteprojeto deveria ser colocado em pauta no fórum para discussão de direitos conquistados por categorias profissionais ao longo de muitos anos", diz o advogado Alessandro Vietri.
"Não são mudanças profundas, mas também não beneficiam os trabalhadores. Nenhuma supressão de direitos interessa aos trabalhadores", diz Ricardo Gebrim, presidente do Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo.

Mais autonomia
O que o governo quer é dar mais espaço para as negociações entre trabalhadores e patrões, hoje restritas devido às minúcias da lei. Hoje, por exemplo, existem muitos artigos na CLT, do 129 ao 153, que tratam de férias. Isso, na avaliação de Brito, tira espaço para a negociação dos sindicatos.
"Não é possível tirar do trabalhador o direito às férias. Agora, se o valor a ser pago será todo antecipado ou pago parcialmente, antes ou depois do período de descanso, isso pode ser objeto de negociação entre o trabalhador e o empregador, ou entre o sindicato e a empresa", diz.
O consultor também entende que a data do pagamento do 13º salário pode ser negociada. "O que tem de estar claro na lei é que um salário a mais por ano tem que ser pago para o trabalhador até dezembro. Agora, a divisão ou a forma de pagamento pode ser discutida em negociação coletiva", afirma Brito.
No FGTS, diz ele, será mais difícil fazer mudanças, já que existe uma lei específica que trata do fundo (lei 8.036, de maio de 90) e envolve interesses do Estado. Mas, no entender do consultor jurídico do ministério, seria preciso estabelecer um controle maior sobre os recursos do fundo.

Flexibilização
Brito diz que o ministério é contra a flexibilização das leis trabalhistas na forma como defendia o governo FHC. Ao propor a alteração no artigo 618, que trata dos acordos coletivos, o governo tucano queria, na prática, deixar que as negociações entre patrões e empregados prevalecessem sobre a legislação trabalhista.
Por esse artigo, só empresas e instituições que não estão enquadradas nas regras da CLT podem fazer acordos que se sobreponham à lei. Com a mudança que o governo anterior defendia, até como forma de diminuir o trabalho informal, a livre negociação ganharia força.
"Não conseguimos imaginar que essa alteração na CLT pudesse gerar emprego. Mas reconhecemos que alguns artigos da legislação não são compatíveis com as mudanças que ocorreram com a evolução dos métodos de trabalho e com a Constituição de 88."
Brito destaca também que esse projeto de "faxina" na CLT não será um ato isolado do governo Lula. "Paralelamente ao anteprojeto, o governo vai discutir a reforma sindical no fórum trabalhista. No passado, a mudança da CLT, via substituição do artigo 618, era um ato isolado. Era empurrar "goela abaixo" mudanças sem discutir alterações na estrutura sindical necessárias para fortalecer os sindicatos."


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Frases
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.