|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BENJAMIN STEINBRUCH
Despautério
Até agora, o avanço da cana no Brasil não prejudicou em nada a produção de alimentos, que segue em expansão
|
PRONTO, UM funcionário da
ONU descobriu os responsáveis pela inflação internacional e pela fome no mundo: os produtores de biocombustíveis, entre eles
o Brasil.
Não há espaço para pilheria nessa
matéria, porque alimentação é certamente o tema mais importante
para humanidade, em qualquer
tempo. Faço três considerações sobre o assunto:
A primeira diz respeito à fome,
uma ameaça séria, que pode atingir
até 2 bilhões de pessoas, 30% da população mundial. Mas esse problema não começou hoje nem ontem.
É secular e tem sido um flagelo para
regiões pobres, principalmente na
África.
A segunda consideração é sobre
culpados pela elevação de preços e
escassez atual de alimentos. Responsabilizar produtores de biocombustíveis por esse problema e acusá-los de crime contra a humanidade,
como fez o relator da ONU para o direito à alimentação, Jean Ziegler, é
um evidente despautério.
Fatores muito mais importantes
explicam distorções na produção
mundial e elevação de preços de alimentos. Subsídios oferecidos pelos
EUA e pela Europa a seus produtores ineficientes, por exemplo, há décadas forjam preços irreais e impedem países pobres de desenvolver
culturas que poderiam elevar a oferta de alimentos. Essa competição
desleal é criminosa para com países
subdesenvolvidos da África e de outros continentes, porque os obriga
literalmente a comer na mão do Primeiro Mundo, mediante doações e
programas de ajuda.
Países como Burkina Fasso, Benin, Mali e Chade tiveram suas produções agrícolas sufocadas ao longo
de décadas pela concorrência desleal provocada pelo subsídio americano, principalmente no algodão.
Barreiras fitossanitárias são a forma da moda para barrar a concorrência de produtores de alimentos
de países emergentes. Ainda hoje, a
União Européia bloqueia a entrada
da carne brasileira no bloco, o que
frustra investimentos brasileiros
para aumentar a oferta e reduzir
preços. Enquanto isso, os londrinos
são obrigados a pagar o equivalente
a R$ 80 por um quilo de filé, que custa de R$ 15 a R$ 20 em São Paulo.
A enorme alta do petróleo é outro
fator que explica a inflação mundial,
com efeitos sobre os preços agrícolas via fertilizantes e outros insumos. Além disso, condições climáticas tiveram forte impacto para reduzir as safras na Austrália, na Ucrânia e em vários outros países.
A terceira consideração diz respeito ao Brasil, o maior incentivador
mundial dos biocombustíveis. A
produção do álcool no país já se
mostrou viável. É uma saída para
prolongar o ciclo dos combustíveis
líquidos, ameaçado pela extinção
das reservas mundiais de petróleo.
Mas o Brasil deve encarar o problema com humildade. Em alguns casos, reconheça-se, a cana ocupou
terras muito férteis. Mas, até agora,
seu avanço não prejudicou em nada
a produção de alimentos, que segue
em expansão. A cana ocupa 5% da
área cultivada brasileira, metade para álcool e metade para alimento
(açúcar). É preciso, portanto, avançar na produção dos agrocombustíveis, lembrando que a cana concorre
direto com áreas de pastagens, que,
graça a Deus, temos de sobra.
Generalizações como a do relator
da ONU são perigosas e ofensivas.
Há grande diferença entre o álcool
de cana produzido no Brasil e o de
milho, nos EUA, que já destinam
30% da safra desse grão para o combustível. Dar prioridade à agricultura de alimentos é atitude correta e generosa. Mas é intelectualmente
desonesto tentar atribuir responsabilidades pela miséria e pela fome a
culturas ainda embrionárias de
agrocombustíveis.
BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.
bvictoria@psi.com.br
Texto Anterior: Lucro do Bank of America tem queda de 77% Próximo Texto: Lula quer campanha global para defender os biocombustíveis Índice
|