São Paulo, quarta-feira, 22 de maio de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Nem laranja, nem socialismo, nem big-bang

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Já houve tempo em que se propunham soluções e rumos completamente divergentes para a economia brasileira. "A laranja salvará o café", dizia o candidato conservador Julio Prestes em 1930 -enquanto outros defendiam a industrialização. Ainda em 1964 alguns propunham o estabelecimento de uma economia de mercado no país, enquanto outros pretendiam a transição direta para o socialismo. Ainda mesmo em 1990, alguns propunham a introdução de uma economia de mercado no país (o que me parecia um disparate, mas, convém lembrar, era o tempo das propostas de big-bang).
Decididamente hoje não há polarização comparável. Reclama-se da convergência das proposições de governistas e oposição. No meu entender, essa (relativa) convergência deve ser entendida, antes que lamentada. E, para entendê-la, caberia ter em conta diversos fenômenos, dos quais destacarei um apenas, de grande importância.
As economias em geral passaram por profundas reformas nos últimos 20 anos. Delas resultou o surgimento -fora do núcleo capitalista desenvolvido- de quatro tipos de situação.
Há economias que saíram das reformas com grande apetite para crescer (fenômeno daqui por diante referido como "impulsão") e pouco ou nada fragilizadas financeiramente. É o caso da China, notoriamente capaz de explorar a fundo as oportunidades entreabertas pelo mercado internacional, de incessantemente crescer e transformar-se.
Prosseguindo na classificação, há economias que não exibem fragilidade, mas tampouco denotam dinamismo ou impulsão. É o caso das economias ditas petroleiras -que crescem à medida que são arrastadas por condições favoráveis do comércio mundial, mas não parecem minimamente capazes de transformar-se.
E há casos de economias frágeis e não dotadas de "impulsão". São casos em que a abertura levou ao endividamento, mas não houve reestruturação industrial significativa e exitosa. Há exemplares entre as economias ex-socialistas, bem como na América Latina.
Chegamos, por fim, ao Brasil. Estamos, nesse caso, diante de uma economia paradoxal: dotada de patente impulsão expansiva e elevada fragilidade! Cumpre precisar minimamente o que acaba de ser dito.
Quanto à fragilidade, há poucas dúvidas a seu respeito. Trata-se de uma economia que necessita tomar cerca de US$ 45 bilhões a cada ano, para cobrir o déficit de transações correntes e renovar os empréstimos vencidos. Além disso, entre principal e juros (parcela não coberta pelo superávit primário), deve refinanciar cerca de R$ 200 bilhões de sua dívida pública interna, a cada ano.
Mas há também a impulsão. Essa pode ser avaliada pela constatação de que sempre e, quando não submetida a verdadeiros choques, a economia brasileira (ainda quando pagando juros absurdamente elevados em termos internacionais) volta a expandir-se, sob a liderança do setor industrial.
A título de provocação: recentemente, no trimestre janeiro/abril do corrente ano, o crescimento da indústria em relação ao mesmo trimestre de 2001 foi de 2,8%, o que, anualizado, daria um crescimento de 11,8% ("Carta de Conjuntura", Instituto de Economia, UFRJ, maio)! Nos Estados Unidos, um crescimento anualizado de 5,8% (apurado pelo mesmo método, mas para a economia como um todo) foi saldado como prova da vigorosa recuperação da economia...
E como é sentida na prática essa impulsão, ou melhor dito, aquilo que está por trás dela? Pelo fato de que produtos de boa qualidade estão sendo ofertados em abundância e a preços módicos, sendo qualquer tipo de espaço vigorosamente disputado. Isso, parece-me, faz parte da experiência cotidiana de cada um de nós.
A economia brasileira contém, em suma, um paradoxo. É ao mesmo tempo frágil e dotada de grande dinamismo (nunca efetivamente realizado), fenômeno facilmente percebido por quem seja capaz de deixar-se surpreender pelos fatos.
Visto pela ótica da impulsão, é uma economia capaz de ingressar em círculos virtuosos do crescimento. Mas, dada a sua inegável fragilidade, pode ser facilmente levada a círculos viciosos de regressão.
Positivamente, não estamos diante de uma realidade própria a maniqueísmos. Não é nem preto nem branco. A própria realidade sugere convergências.


Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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