|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Nem laranja, nem socialismo, nem big-bang
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Já houve tempo em que se
propunham soluções e rumos
completamente divergentes para
a economia brasileira. "A laranja
salvará o café", dizia o candidato
conservador Julio Prestes em 1930
-enquanto outros defendiam a
industrialização. Ainda em 1964
alguns propunham o estabelecimento de uma economia de mercado no país, enquanto outros
pretendiam a transição direta para o socialismo. Ainda mesmo em
1990, alguns propunham a introdução de uma economia de mercado no país (o que me parecia
um disparate, mas, convém lembrar, era o tempo das propostas
de big-bang).
Decididamente hoje não há polarização comparável. Reclama-se da convergência das proposições de governistas e oposição. No
meu entender, essa (relativa) convergência deve ser entendida, antes que lamentada. E, para entendê-la, caberia ter em conta diversos fenômenos, dos quais destacarei um apenas, de grande importância.
As economias em geral passaram por profundas reformas nos
últimos 20 anos. Delas resultou o
surgimento -fora do núcleo capitalista desenvolvido- de quatro tipos de situação.
Há economias que saíram das
reformas com grande apetite para
crescer (fenômeno daqui por
diante referido como "impulsão")
e pouco ou nada fragilizadas financeiramente. É o caso da China, notoriamente capaz de explorar a fundo as oportunidades entreabertas pelo mercado internacional, de incessantemente crescer e transformar-se.
Prosseguindo na classificação,
há economias que não exibem
fragilidade, mas tampouco denotam dinamismo ou impulsão. É o
caso das economias ditas petroleiras -que crescem à medida que
são arrastadas por condições favoráveis do comércio mundial,
mas não parecem minimamente
capazes de transformar-se.
E há casos de economias frágeis
e não dotadas de "impulsão". São
casos em que a abertura levou ao
endividamento, mas não houve
reestruturação industrial significativa e exitosa. Há exemplares
entre as economias ex-socialistas,
bem como na América Latina.
Chegamos, por fim, ao Brasil.
Estamos, nesse caso, diante de
uma economia paradoxal: dotada de patente impulsão expansiva e elevada fragilidade! Cumpre
precisar minimamente o que acaba de ser dito.
Quanto à fragilidade, há poucas dúvidas a seu respeito. Trata-se de uma economia que necessita
tomar cerca de US$ 45 bilhões a
cada ano, para cobrir o déficit de
transações correntes e renovar os
empréstimos vencidos. Além disso, entre principal e juros (parcela
não coberta pelo superávit primário), deve refinanciar cerca de R$
200 bilhões de sua dívida pública
interna, a cada ano.
Mas há também a impulsão. Essa pode ser avaliada pela constatação de que sempre e, quando
não submetida a verdadeiros
choques, a economia brasileira
(ainda quando pagando juros absurdamente elevados em termos
internacionais) volta a expandir-se, sob a liderança do setor industrial.
A título de provocação: recentemente, no trimestre janeiro/abril
do corrente ano, o crescimento da
indústria em relação ao mesmo
trimestre de 2001 foi de 2,8%, o
que, anualizado, daria um crescimento de 11,8% ("Carta de Conjuntura", Instituto de Economia,
UFRJ, maio)! Nos Estados Unidos, um crescimento anualizado
de 5,8% (apurado pelo mesmo
método, mas para a economia como um todo) foi saldado como
prova da vigorosa recuperação da
economia...
E como é sentida na prática essa
impulsão, ou melhor dito, aquilo
que está por trás dela? Pelo fato
de que produtos de boa qualidade
estão sendo ofertados em abundância e a preços módicos, sendo
qualquer tipo de espaço vigorosamente disputado. Isso, parece-me,
faz parte da experiência cotidiana de cada um de nós.
A economia brasileira contém,
em suma, um paradoxo. É ao
mesmo tempo frágil e dotada de
grande dinamismo (nunca efetivamente realizado), fenômeno
facilmente percebido por quem
seja capaz de deixar-se surpreender pelos fatos.
Visto pela ótica da impulsão, é
uma economia capaz de ingressar
em círculos virtuosos do crescimento. Mas, dada a sua inegável
fragilidade, pode ser facilmente
levada a círculos viciosos de regressão.
Positivamente, não estamos
diante de uma realidade própria
a maniqueísmos. Não é nem preto nem branco. A própria realidade sugere convergências.
Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.
Texto Anterior: Diferença do título dos EUA explica risco-país Próximo Texto: Livre comércio: Crítica de Ricupero irrita governo Índice
|