São Paulo, quarta-feira, 22 de maio de 2002

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LUÍS NASSIF

Os contenciosos agrícolas

Não está clara a estratégia do Itamaraty em relação aos contenciosos agrícolas na OMC (Organização Mundial do Comércio). Há uma ala, liderada pelo embaixador Clodoaldo Hugueney Filho, trabalhando contra o início dos contenciosos, em razão de visões diferentes do problema.
Por exemplo, houve um retrocesso no contencioso da soja, o mais antigo. O argumento do Itamaraty é que o Brasil perderá o contencioso, já que a produção de soja cresceu e que, por isso, não se conseguirá comprovar que houve dano provocado pelos subsídios americanos.
Do lado do Ministério da Agricultura a visão é outra: a de que existem pelo menos três modelos econométricos que comprovariam os dados, um do Usda (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), outro da OCDE e um terceiro desenvolvido no Brasil, sob supervisão técnica do ministro do Planejamento, Guilherme Dias.
Como é o primeiro modelo desenvolvido internamente, reconhece-se certa fragilidade técnica em sua elaboração. Mas a argumentação básica é que as exportações brasileiras cresceram por conta de medidas internas, como a Lei Kandir, o aumento de 60% na produtividade, a melhoria dos portos, a saída pelo norte. Ou seja, as perdas têm que ser avaliadas dentro dessa perspectiva: de quanto teria sido o aumento sem os US$ 2,8 bilhões de subsídios norte-americanos.
O contencioso mais simples é o do algodão, que não exigiria modelo econométrico para se comprovar o dano. Em vez de questionar na OMC, o setor privado preferiu entrar com um pedido de antidumping no sistema Decon/Secex (que cuida de direito econômico). Em 1993 a Sociedade Rural Brasileira tentou caminho semelhante e falhou. O algodão importado dos EUA não chega a 5%. Não haveria lógica de entrar apenas contra o algodão norte-americano. Para analistas mais experientes, o caminho seria a OMC mesmo.
Também está parado o contencioso do açúcar. O embaixador Hugueney é contra, alegando que a União Européia colocaria todas as suas ex-colônias contra o Brasil. Mais uma vez há discordância dos negociadores do Ministério da Agricultura. A posição é que o Brasil não está atacando as preferências concedidas às ex-colônias, e sim os subsídios na reexportação.
No momento está em negociação a Cláusula de Paz, que concedeu prazo para o questionamento dos subsídios agrícolas. A opinião dos negociadores mais aguerridos é que, se o tema agrícola não for levantado em toda sua extensão -mesmo com o risco de perder um contencioso ou outro-, será muito difícil posteriormente, já que se entrará em negociação sobre a prorrogação da Cláusula da Paz.
Os contenciosos ajudariam a se completarem as análises de todos os detalhes dos instrumentos de política agrícola dos EUA, ajudariam a preparar a próxima negociação. Uma eventual condenação do protecionismo teria o mérito de facilitar as próximas rodadas de negociação multilateral, além de colocar o Brasil na liderança das negociações agrícolas mundiais, com reflexos na Alca e no acordo com a União Européia.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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