São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
A sociedade confusa


Os principais responsáveis pela insegurança crescente que existe no Brasil somos nós mesmos, cidadãos

A GRAVIDADE do ataque desferido contra a polícia de São Paulo foi tão grande que a sociedade brasileira, afinal, reagiu. O sintoma mais claro disso ocorreu no Congresso Nacional, que deixava engavetados projetos de lei capazes de limitar a ação dos criminosos dentro das penitenciárias: diante da crise, agiu com presteza e começou a votá-los. A própria crise, entretanto, mostra a confusão em que a sociedade brasileira está em relação ao problema da segurança e da polícia. A reação mais comum foi a de culpar o governo -governo estadual, governo federal- pelo acontecido. Governador e presidente teriam sido "incompetentes". Essa reação é equivocada. Os principais responsáveis pela insegurança crescente que existe no Brasil somos nós mesmos, cidadãos: é a sociedade civil brasileira que não se une para apoiar a polícia e combater o crime. Há também um fator econômico por trás da situação: o desemprego aberto alto e de longa duração que existe no Brasil desde 1980. Desde então, a economia semi-estagnou, e o desemprego vem subindo. Não se trata do desemprego disfarçado, da oferta de mão-de-obra ilimitada que existe em todo país pobre. Como o Brasil já é um país industrializado e urbanizado, o desemprego é aberto como nos países ricos. A diferença é que os desempregados, principalmente os jovens, não contam com a proteção ao desemprego existente naqueles países. Contra esse problema só existe uma solução -o país voltar a crescer. Mas, mesmo voltando o país a crescer, a sociedade precisa dar maior apoio à ação da polícia e, mais amplamente, ao sistema judiciário brasileiro. Esse apoio não se limita a verbas orçamentárias para contratar pessoal, para equipar a polícia (nesse campo, São Paulo tem feito bastante): trata-se, principalmente, de reorganizar a polícia, unificando-a, e de dotar o sistema de carceragem das reformas institucionais necessárias para que essas duas organizações do Estado possam agir com efetividade e eficiência. Esse apoio não existe ou existe de maneira contraditória e fraca. A esquerda continua vendo a polícia como um instrumento para a repressão; uma importante comunidade liberal de juristas continua a rejeitar medidas de carceragem mais enérgicas. Ora, os tempos do regime autoritário já terminaram há muito. A polícia é um braço do Estado que protege os cidadãos. Quando assassinam 41 de seus membros, ela responde com truculência, mas esses excessos não justificam desampará-la. Os pobres da periferia sabem bem disso e pedem mais policiamento. Já a direita vê a polícia como corrupta e prefere se proteger privadamente. Ora, a atividade policial está especialmente sujeita à corrupção porque os criminosos procuram corromper os policiais, mas os policiais corruptos são a absoluta minoria. Dada a confusão da sociedade, compreende-se por que a segurança é precária. São Paulo conta com um número razoável de policiais civis e militares, tem havido uma preocupação grande dos diversos governos de pagá-los, treiná-los e equipá-los adequadamente, mas as reformas institucionais necessárias tardam, dormem nas prateleiras do Congresso, devido à dubiedade da sociedade. Agora, o Congresso se movimentou, mas, passado o instante de dificuldade, os projetos voltarão a adormecer nas gavetas, a não ser que a sociedade realmente se mobilize na luta por maior segurança e no apoio à sua polícia. Eu sei que criticar o governo é mais agradável do que criticar a sociedade, mas é a sociedade brasileira que está confusa e desorientada: é a sociedade que não percebeu que, apesar de todos os problemas, o Estado é o seu instrumento de ação coletiva por excelência -e que prestigiar as instituições do Estado, a partir da polícia, é fundamental para que haja a consolidação democrática e para a segurança de todos.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 71, professor da Fundação Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "Desenvolvimento e Crise no Brasil: 1930-2002".
Internet: www.bresserpereira.org.br @ - lcbresser uol.com.br


Texto Anterior: Trabalhador ganha cada vez menos ao se aposentar
Próximo Texto: Déficit da Previdência está "inflado", afirmam fiscais
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.