São Paulo, Quinta-feira, 22 de Julho de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Os juros precisam cair!

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Quem examina os dados fica com a impressão de que há algo de errado com as taxas de juro no Brasil. Como se sabe, apesar da queda dos últimos meses, elas continuam extraordinariamente elevadas.
Há espaço para diminuí-las? Se não houver, estamos lascados. Com juros altíssimos e pesadas restrições à expansão do crédito interno, não teremos meios de fazer a economia crescer em ritmo suficiente. A crise de desemprego continuará.
A desvalorização cambial, embora fundamental para o ajuste das contas externas, não é suficiente para reativar a economia como um todo. Como costuma ocorrer em economias de porte continental, é relativamente baixo o peso dos setores exportadores e dos que substituem importações. Mesmo que a conjuntura internacional fosse mais favorável às exportações, os setores beneficiados pela desvalorização não teriam capacidade de assegurar a retomada da economia brasileira em seu conjunto.
A retomada depende essencialmente da reativação da demanda interna. O que fazer para reativá-la? A fragilidade da situação financeira do governo não permite contemplar reduções de tributos ou ampliação dos gastos públicos.
Sobra a política monetária. Se o Banco Central não puder baixar as taxas de juro e estimular o crédito, a economia continuará patinando. O consumo privado continuará deprimido pelo desemprego, pela queda do salário real e pelo custo do crédito. E o investimento privado, pela capacidade de produção ociosa, pelo custo do crédito interno e pela reduzida disponibilidade de crédito internacional.
Será que o Brasil precisa mesmo dos juros extravagantes que pratica? Vejamos os dados. A taxa de juro de curto prazo alcança nada menos que 17% ao ano em termos reais (deflacionando a taxa nominal pela variação dos índices de preços ao consumidor nos últimos 12 meses). Trata-se de uma taxa exorbitante para padrões internacionais.
Não me refiro apenas aos países desenvolvidos, nos quais os juros reais de curto prazo não ultrapassam 4%. Mesmo economias de nível de desenvolvimento mais ou menos comparável ao do Brasil registram juros muito, mas muito menores do que os nossos.
Alguns exemplos. Na Colômbia, país que enfrenta difícil situação econômica e até guerra civil, a taxa real é de 8%. A Argentina, outro vizinho mergulhado em grave crise econômica, pratica juros reais de 9%. No México, cuja moeda vem flutuando com certo sucesso desde a crise de 1994-95, a taxa real de curto prazo é de apenas 2%.
Os "mercados emergentes" do leste da Ásia, mesmo aqueles que sofreram brutais colapsos no passado recente, também praticam juros muito mais civilizados do que os brasileiros. Na Coréia do Sul e na Tailândia, por exemplo, a taxa de curto prazo é de 6% em termos reais. Nas Filipinas, 2%. Na Indonésia, chega a ser negativa em 6%.
Por que será que os nossos juros são tão mais elevados? A reação mais comum a essa indagação é botar a culpa no déficit público, que é realmente muito alto no Brasil, bem mais alto do que na maioria dos outros "mercados emergentes". Segundo essa explicação, o déficit gera desconfiança e obriga o governo a pagar juros excepcionais para refinanciar a sua dívida. A redução dos juros dependeria, assim, de uma redução do déficit governamental.
Mas a explicação não parece inteiramente convincente. O curioso é que o déficit do governo é, em larga medida, produzido pelas exorbitantes taxas de juro que incidem sobre a sua dívida. No Brasil, a dívida pública é preponderantemente doméstica, denominada em moeda nacional e de prazo bastante curto. Assim, a taxa de juro de curto prazo, controlada pelo Banco Central, é um dos principais determinantes do déficit público.
O orçamento público primário (isto é, o orçamento exclusive juros) registra significativo superávit em 1999, segundo os dados oficiais. Considerando o setor público como um todo (União, Estados, municípios e empresas públicas), o superávit primário aumentou de 1% do PIB em janeiro-maio de 1998 para 2,8% do PIB em janeiro-maio de 1999, um feito considerável para uma economia em recessão. Se as taxas de juro caíssem para patamares civilizados, o déficit público não pareceria tão alarmante.
O déficit cairia não só porque a despesa financeira do governo seria muito menor, mas também porque a reativação da economia, induzida pela queda dos juros, permitiria a ampliação da receita tributária e a diminuição de gastos com o seguro-desemprego.
Vejam o paradoxo. Segundo a explicação mais comum, os juros são altos porque os investidores, desconfiados do déficit público e do crescimento da dívida, exigem alta remuneração para ficar com os títulos do governo brasileiro. E, no entanto, são justamente essas altas taxas de juro que mantêm o déficit governamental em nível preocupante!
Em outras palavras, os credores e investidores exigem juros altos demais e com isso provocam o déficit que os assusta, justificando o refinanciamento dos títulos a um custo exorbitante! Em última análise, os juros são altos porque os juros são altos.
Deu para entender? Parece coisa de doido? Volto ao assunto na semana que vem.


Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net


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