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LUÍS NASSIF
Questão de moda
Em seu artigo semanal no
jornal "Valor", sob o título
"A dinâmica dos juros", conhecida economista -que já trabalhou no FMI e no Ministério
da Fazenda- investe contra
trabalho meu, recentemente
publicado na Folha Online,
embora não mencione o meu
nome.
No trabalho, entre outros argumentos, recorro a um fluxograma no qual procuro demonstrar que em economias
expostas a capital de curto prazo o câmbio é volátil e a cada
crise há fuga de dólares e uma
consequente depreciação cambial que produz dois efeitos simultâneos: aumento da inflação, obrigando a uma elevação
na taxa de juros, e melhoria
das contas externas. Essa combinação atrai novamente capital de curto prazo, que aprecia
novamente o câmbio, reduz o
superávit comercial e expõe o
país a nova crise.
Inicialmente, a economista
apresenta os seguintes argumentos, em que se percebe nítido rigor acadêmico:
1) "O FMI e o Banco Mundial
guardam reservadamente trabalhos de consultores e acadêmicos que defendem teses que
os governos dos países clientes
consideram melindrosas. Alguns trabalhos indesejáveis
acabam enterrados nas gavetas dos burocratas. Outros chegam à imprensa ou à internet
depois que o assunto perdeu o
interesse";
2) "Esse assunto (câmbio e
juros) já é carne de vaca no
Brasil".
Depois de me colocar no devido lugar e me acusar de plágio e já que, segundo ela, o trabalho não tem autor mesmo, a
economista se inspira no meu
fluxograma, tira alguns penduricalhos e monta o seu, sem
se esquecer de avisar ciosamente no rodapé de que foi "elaboração da autora".
Apenas a conclusão é diferente. Segundo ela, no meu
modelo ocorre uma desvalorização cambial, há um impacto
sobre a dívida que é maior que
sobre as exportações, o capital
foge e o real volta a se desvalorizar, criando um círculo vicioso.
O círculo virtuoso, em sua
opinião, é outro. O aumento de
juros espanta o receio dos investidores, o capital externo retorna ao país, o real aprecia, há
um impacto positivo sobre a
dívida que supera o impacto
negativo sobre as exportações.
A restrição monetária permite
controlar a atividade e a inflação, e o BC restabelece a confiança sobre a meta da inflação.
Seu raciocínio se baseia em
dois pressupostos.
O primeiro -implícito no
raciocínio- é o da normalização dos fluxos financeiros internacionais.
De uma entrevista da economista Eliana Cardoso, de 10 de
setembro de 1998: "Com a crise
internacional, o custo do dinheiro ficará alto (...) determinando a necessidade de países
emergentes reduzirem a dependência de financiamento
externo (...) Esse modelo serviu
de 1992 a 1997, mas ficou ultrapassado".
O segundo pressuposto é que
"nesse círculo vicioso em que
juros, câmbio e preços correm
uns atrás dos outros uma desvalorização em termos reais dificilmente se sustentaria".
Sobre a Argentina, em situação muito pior do que o Brasil,
assim escreveu Eliana Cardoso,
em artigo de 29 de novembro
de 2000, no mesmo "Valor": "O
pavor do cenário de uma desvalorização descontrolada levou os argentinos a convencer
o mundo de que uma desvalorização do peso argentino é impossível. (...) O argumento é falacioso. Os salários não estão
indexados ao dólar, e a revisão
de contratos não seria nem
imediata nem completa. Com
a economia em recessão e uma
política monetária restritiva,
os salários não poderiam
acompanhar a desvalorização
cambial. O resultado seria uma
depreciação real". Eliana Cardoso é, igualmente, a autora do
mencionado "A dinâmica dos
juros".
Seu artigo é material didático para comprovar a falta de
rigor e de coerência que vem
banalizando a discussão econômica: primeiro a pessoa define a tese; depois tira da prateleira o conceito que melhor se
adequar ao seu argumento, da
mesma maneira que escolhe a
bolsa que melhor combinar
com seu tailleur.
É tudo uma questão de moda.
Meu trabalho está no endereço www.dinheirovivo.com.br.
O seu, na edição do "Valor" de anteontem, à pág. A13.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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