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São Paulo, sexta-feira, 22 de agosto de 2003

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LUÍS NASSIF

Questão de moda

Em seu artigo semanal no jornal "Valor", sob o título "A dinâmica dos juros", conhecida economista -que já trabalhou no FMI e no Ministério da Fazenda- investe contra trabalho meu, recentemente publicado na Folha Online, embora não mencione o meu nome.
No trabalho, entre outros argumentos, recorro a um fluxograma no qual procuro demonstrar que em economias expostas a capital de curto prazo o câmbio é volátil e a cada crise há fuga de dólares e uma consequente depreciação cambial que produz dois efeitos simultâneos: aumento da inflação, obrigando a uma elevação na taxa de juros, e melhoria das contas externas. Essa combinação atrai novamente capital de curto prazo, que aprecia novamente o câmbio, reduz o superávit comercial e expõe o país a nova crise.
Inicialmente, a economista apresenta os seguintes argumentos, em que se percebe nítido rigor acadêmico:
1) "O FMI e o Banco Mundial guardam reservadamente trabalhos de consultores e acadêmicos que defendem teses que os governos dos países clientes consideram melindrosas. Alguns trabalhos indesejáveis acabam enterrados nas gavetas dos burocratas. Outros chegam à imprensa ou à internet depois que o assunto perdeu o interesse";
2) "Esse assunto (câmbio e juros) já é carne de vaca no Brasil".
Depois de me colocar no devido lugar e me acusar de plágio e já que, segundo ela, o trabalho não tem autor mesmo, a economista se inspira no meu fluxograma, tira alguns penduricalhos e monta o seu, sem se esquecer de avisar ciosamente no rodapé de que foi "elaboração da autora".
Apenas a conclusão é diferente. Segundo ela, no meu modelo ocorre uma desvalorização cambial, há um impacto sobre a dívida que é maior que sobre as exportações, o capital foge e o real volta a se desvalorizar, criando um círculo vicioso.
O círculo virtuoso, em sua opinião, é outro. O aumento de juros espanta o receio dos investidores, o capital externo retorna ao país, o real aprecia, há um impacto positivo sobre a dívida que supera o impacto negativo sobre as exportações. A restrição monetária permite controlar a atividade e a inflação, e o BC restabelece a confiança sobre a meta da inflação.
Seu raciocínio se baseia em dois pressupostos.
O primeiro -implícito no raciocínio- é o da normalização dos fluxos financeiros internacionais.
De uma entrevista da economista Eliana Cardoso, de 10 de setembro de 1998: "Com a crise internacional, o custo do dinheiro ficará alto (...) determinando a necessidade de países emergentes reduzirem a dependência de financiamento externo (...) Esse modelo serviu de 1992 a 1997, mas ficou ultrapassado".
O segundo pressuposto é que "nesse círculo vicioso em que juros, câmbio e preços correm uns atrás dos outros uma desvalorização em termos reais dificilmente se sustentaria".
Sobre a Argentina, em situação muito pior do que o Brasil, assim escreveu Eliana Cardoso, em artigo de 29 de novembro de 2000, no mesmo "Valor": "O pavor do cenário de uma desvalorização descontrolada levou os argentinos a convencer o mundo de que uma desvalorização do peso argentino é impossível. (...) O argumento é falacioso. Os salários não estão indexados ao dólar, e a revisão de contratos não seria nem imediata nem completa. Com a economia em recessão e uma política monetária restritiva, os salários não poderiam acompanhar a desvalorização cambial. O resultado seria uma depreciação real". Eliana Cardoso é, igualmente, a autora do mencionado "A dinâmica dos juros".
Seu artigo é material didático para comprovar a falta de rigor e de coerência que vem banalizando a discussão econômica: primeiro a pessoa define a tese; depois tira da prateleira o conceito que melhor se adequar ao seu argumento, da mesma maneira que escolhe a bolsa que melhor combinar com seu tailleur.
É tudo uma questão de moda.
Meu trabalho está no endereço www.dinheirovivo.com.br.
O seu, na edição do "Valor" de anteontem, à pág. A13.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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