São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2004

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VACAS MAGRAS

Após três anos de boas safras e de alta de preços, produtores enfrentarão fase difícil, com custos altos e renda menor

"Exuberância agrícola" se aproxima do fim

ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A safra de boas notícias no campo se aproxima do fim. Depois de três anos de safras crescentes ou de aumento de preços das commodities, os agricultores se preparam para atravessar um ano difícil. O valor dos principais produtos agrícolas cai no mercado internacional. Para agravar o cenário, o custo de produção -preço dos insumos- sobe.
"Há um descasamento de renda pela frente: por um lado, há o aumento dos custos de produção; do outro, queda de preços", disse à Folha o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues.
No início do ano, uma saca de 60 quilos de soja era vendida no Paraná pelo preço médio de US$ 16,24. Neste mês, o preço médio é de US$ 12,47. O preço dos insumos, por sua vez, subiu 13,8% de janeiro a abril, segundo índice de inflação do setor, calculado pela Conab. No mesmo período, os reajustes medidos pelo IPCA foram de 1,46%.
Outra forma de analisar a perda de renda do agricultor é comparar a quantidade de um produto que é preciso vender para comprar um determinado insumo. Em janeiro deste ano, um agricultor precisava entregar 37,3 fardos de 15 quilos de algodão para comprar uma tonelada de fertilizante. Em junho, eram necessários 51,8 fardos para a mesma compra.

Ajuste de preços
O vice-presidente da OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), Luiz Roberto Baggio, diz que os preços dos últimos meses não tinham como se sustentar. "Não diria que é uma crise. É um momento de ajuste de preços. Uma saca de soja a US$ 18? Isso não existe."
O problema é que com preços menores as ineficiências do Brasil ganham relevância e não são mais encobertas por uma rentabilidade adicional. "O que depende dos produtores vai bem", diz Paulo Rossetti, especialista em commodities da consultora Global Invest. Quando o produto sai da porteira, o "custo Brasil" aparece.
"Além das estradas em estado calamitoso , o custo do frete vai subir com o inevitável aumento do diesel", alerta Paulo Gomes, outro analista da Global Invest.
O Brasil, ao contrário de outros países produtores de grãos, depende quase exclusivamente do transporte rodoviário, que é o mais caro, sobretudo num ano em que o preço do barril do petróleo se aproxima de US$ 50.
Quando o produtor brasileiro vai ao banco, também perde. Mesmo o volume recorde de crédito anunciado pelo governo não resolverá o problema, reclama o vice-presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), Marcel Caixeta.
A maior parte do crédito rural cresceu nas linhas de financiamento a juros livres. As fontes de recursos com juros subsidiados pelo governo (8,75% ao ano) ficaram praticamente estagnadas e não houve aumento no limite que cada agricultor pode sacar.
"Com o limite de R$ 200 mil [a juros controlados] para cada produtor de soja era possível plantar 233 hectares na safra passada. Com a alta do custo, o mesmo dinheiro dá para plantar 145 hectares", diz Caixeta. O agricultor terá de pegar mais dinheiro a taxas livres, mais caras, para poder manter a mesma área plantada.

PIB agrícola menor
A expectativa de uma safra mundial recorde é o principal fator para explicar a queda dos preços e o aumento dos custos. "A maior demanda de insumos encarece o preço dos fertilizantes", afirma Gomes.
Os Estados Unidos deverão colher uma safra de soja próxima do seu recorde (78,6 milhões de toneladas em 2001/2002), após vários anos de perdas na produção devido a problemas climáticos.
Na safra que termina agora, não foram apenas os problemas norte-americanos que reduziram a oferta de grãos, o que ajudou na disparada dos preços. O Brasil também teve quebra da ordem de 10 milhões de toneladas, provocada por excesso de chuvas ou secas e pela ferrugem da soja.
Com isso, a CNA revisou, na sexta-feira passada, sua previsão de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) do agronegócio de 5,8% para 2,8% neste ano.
Apesar de colher menos do que no ano anterior, os produtores brasileiros tiveram ganho de renda. O preço compensou. As exportações de produtores primários (inclui produtos agrícolas e minerais), por exemplo, cresceram 23% devido ao aumento dos preços e apenas 14% devido ao aumento de quantidade.
Em 2005, Baggio afirma que o setor não deve repetir o recorde de exportações deste ano. "Não devemos conseguir o saldo da balança comercial que o governo imagina. É época de vacas magras", diz o vice-presidente da OCB, que insiste que não haverá quebradeiras no setor. Segundo ele, há determinados produtos, como carnes, que não terão um ano tão difícil.
O ministro concorda com a análise de Baggio. "Estamos entrando num ciclo de preços mais baixos das principais commodities. O Brasil, nesse aspecto, é privilegiado, pois trabalha com muitos produtos. E não são todas as commodities que vão cair de preço", pondera Rodrigues, que cita o açúcar como exemplo.
A saída para a queda dos preços, diz Baggio, é investir em gestão e em tecnologia. O problema é que, com a alta dos insumos, os agricultores podem acabar usando menos fertilizantes e defensivos agrícolas, o que reduzirá a produtividade no campo.
"O que está acontecendo agora é uma paradeira na compra de insumos", diz Rodrigues. Segundo ele, essa situação pode decorrer do atraso na liberação de créditos para os agricultores.
Se os analistas discordam sobre o tamanho das dificuldades que o campo vai enfrentar, é consenso que o próximo ano será de preços em baixa. "Com o preço da soja, do milho e do sorgo não dá para cobrir o custo de produção. O agricultor tem que pensar muito na hora de plantar", diz Caixeta.


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