São Paulo, terça-feira, 22 de agosto de 2006 |
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BENJAMIN STEINBRUCH Fronteiras para o trabalho
SEMANAS ATRÁS , quando o mundo chorava o fracasso da Rodada Doha, que pretendia liberalizar o comércio mundial, voltando
de viagem internacional, deparei-me com uma estatística sobre o
crescimento mundial que põe em
dúvida a tendência de glorificar a
globalização. Ela é inevitável e vem
sendo útil a países ricos e emergentes, mas nem tanto aos pobres.
Em mais de 20 anos, entre 1980 e
2002, a renda média per capita dos
países mais ricos do mundo (membros da OCDE) cresceu cerca de 2%
ao ano. Enquanto isso, no grupo dos
42 países mais pobres do mundo, essa renda avançou apenas 0,1% ao
ano.
Isso significa que, em mais de duas
décadas de globalização, os países
muito ricos ficaram ainda mais ricos, enquanto os muito pobres se
tornaram relativamente ainda mais
pobres. O principal objetivo da Rodada Doha, também chamada de
Rodada do Desenvolvimento, era
exatamente esse: corrigir a distorção do comércio mundial, que facilita principalmente o avanço dos países já desenvolvidos.
A pergunta que ficou no ar, após o
fracasso de Doha, é se a iniciativa de
liberalização do comércio embutida
nas negociações realmente levaria à
realização do objetivo de equilibrar
melhor a renda entre ricos e pobres.
Sem dúvida, um mundo sem fronteiras comerciais parece ser mais
viável do que outro em que os países
vivem fechados intramuros. Para algumas nações de médio desenvolvimento, principalmente da Ásia, a
abertura tem proporcionado oportunidades de expansão comercial
bastante significativas. Mas, de forma geral, os países ricos têm encontrado formas de tirar benefícios da
globalização comercial. Durante
anos, por exemplo, eles se recusaram a incluir o setor agrícola no âmbito dos acordos mundiais de comércio, o que prejudicou os países
produtores rurais e, mais ainda, os
muito pobres, cuja economia é basicamente agrícola. Mali, na África,
por exemplo, é uma vítima de sua
própria produção de algodão.
Os ricos também mantiveram bilionários programas de subsídios à
sua própria produção agrícola, agregando a seus produtores uma falsa
competitividade -estimativas da
OMC indicam que eles oferecem
ainda hoje subsídios da ordem de
US$ 230 bilhões a US$ 280 bilhões
por ano à agricultura.
Mas há um aspecto muito importante e pouco debatido nas iniciativas de globalização, o dos empregos.
O processo de liberalização da OMC,
que deverá ser retomado, exigirá
muito mais que a abertura de fronteiras comerciais. Além de proteger
seus mercados, os ricos protegem
com unhas e dentes seus empregos
e, para isso, impedem sem constrangimento a livre circulação de pessoas.
Não é tão utópica quanto parece à
primeira vista a idéia de que os países pobres possam exportar mão-de-obra com maior liberdade para
outros onde existam maiores oportunidades de trabalho.
É um espetáculo deprimente, por
exemplo, o que se passa nos 5.000
km de fronteira entre México e
EUA, por onde milhares de pessoas
(não apenas mexicanos) tentam
cruzar diariamente e são impedidas
por arames farpados, guardas armados e sofisticadas cercas eletrônicas.
Só os brasileiros presos nessa região
de fronteira foram 31 mil no ano fiscal 2004/2005.
Certamente a abertura total da
fronteira americana para a entrada
de paupérrimos latino-americanos
provocaria enorme transtorno para
o mercado de trabalho dos EUA.
Apesar disso, é lícito discutir, num
momento em que se busca a liberalização comercial, até onde vai o direito de um país superproteger seu
mercado de trabalho com barreiras
de toda ordem. Mesmo com o bloqueio americano, cerca de 57 milhões de latino-americanos vivem
nos EUA e constituem uma força de
trabalho importante para a economia. Oficialmente, estima-se que a
população ilegal seja de 11 milhões
naquele país.
Em pleno século 21, há que se pensar em uma distribuição mais eqüitativa das rendas mundiais entre
países. A tendência de que os capitais, bens e mercadorias circulem
cada vez mais livremente trabalha a
favor desse objetivo. Mas ele não poderá ser atingido a menos que se comece a caminhar também na direção da abertura gradual de fronteiras globais para a força de trabalho
mundial, estimada em 3 bilhões de
pessoas.
BENJAMIN STEINBRUCH , 52, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). bvictoria@psi.com.br Texto Anterior: Ainda parados: Funcionários de mina de cobre no Chile entram na 3ª semana de greve Próximo Texto: Recompra de dívida externa gera economia de US$ 9,3 bi Índice |
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