São Paulo, quarta-feira, 22 de agosto de 2007

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AL não corre risco, diz "pai" do Consenso de Washington

John Williamson afirma que continuidade do corte de juros no Brasil é uma política "sábia"

Para o economista, não existe "base para pânico'; segundo ele, situação tem de "piorar muito" para causar preocupação

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

A América Latina não corre risco de contágio pela atual crise financeira norte-americana, e o Brasil faz bem em diminuir sua taxa de juros. São duas opiniões de um economista cuja simples menção do nome ainda causa arrepios em muitos no continente: John Williamson.
Membro do centro de estudos Institute for International Economics, de Washington, é considerado "o pai do Consenso de Washington", conjunto de políticas liberais aplicadas na América Latina nos anos 90 -para muitos, a causa da debacle econômica da região. Aos 70 anos, apesar de cansado do tema, ainda defende sua criação, como fez em entrevista à Folha, por telefone.

 

FOLHA - Citando "aversão ao risco" e "possível queda no valor das commodities", o jornal "Financial Times" diz que a América Latina está sob risco de contágio. Está mesmo?
JOHN WILLIAMSON -
Não neste momento. A situação tem de piorar muito para justificar que as pessoas se preocupem. Creio realmente que as condições financeiras de muitos países da América Latina melhoraram imensamente, e esses estão numa posição mais forte. É claro que, se a crise continuar por muito mais tempo, é provável que engolfe a América Latina, mas nesse estágio a situação está razoavelmente segura.

FOLHA - O Banco Central brasileiro não deve aumentar a taxa de juros; na verdade, há indícios de que continue em sua política de baixar mais. O sr. acha que é uma decisão sábia?
WILLIAMSON -
Sim, é sábia. Não existe qualquer base para pânico neste momento.

FOLHA - Pelo menos um analista chamou as recentes decisões do atual presidente do Fed, de dizer a princípio que tudo estava bem para uma semana depois cortar a taxa de redesconto, de "Bernanke's baby steps" (o engatinhar de Bernanke). O sr. acha que ele se sai bem de sua primeira crise?
WILLIAMSON -
Sim, ele agiu corretamente. Quer dizer, talvez eu tenha achado um pouco prematuro agir na sexta-feira da maneira como ele agiu, mas quem sou eu para questionar suas decisões ou para saber se era ou não a hora?

FOLHA - Muitos analistas têm dito que essa é uma crise de crédito, não de liquidez, e que por isso as injeções que os bancos centrais do mundo inteiro têm feito seriam o remédio certo para a doença errada, uma vez que não lidam com a raiz do problema, que é a de consumidores sem crédito. Concorda?
WILLIAMSON -
O sistema financeiro está funcionando, e talvez as pessoas tenham de esperar umas semanas a mais para obter crédito, mas ainda não vejo evidência de que o crédito se tornou impossível de ser obtido a longo prazo. E a diminuição do crédito disponível a curto prazo era inevitável...

FOLHA - Críticos dizem que parte da culpa do efeito da atual crise nas economias emergentes tem a ver com o Consenso de Washington. Se eu não me engano, o item 7 de seu corolário pregava a "liberalização da entrada de investimento estrangeiro direto". Quando os governos fazem isso, recebem também capital especulativo, que é o primeiro a fugir em momentos de incerteza. Como o sr. responde a isso?
WILLIAMSON -
Eu falava especificamente sobre a liberalização de investimento estrangeiro direto, que em sua maior parte é não-especulativo. Liberalizar a entrada de capital de curto prazo é algo muito mais dúbio, e os países deveriam ser mais cuidadosos antes de fazer isso. Diria até que deveriam fazer isso bem mais adiante no processo.

FOLHA - O sr. nunca se cansa de responder perguntas sobre o Consenso de Washington?
WILLIAMSON -
[Risos] Sim. Mas tudo bem, temos de viver com a nossa criação...

FOLHA - O sr. anteviu de alguma maneira a "guinada à esquerda" da América Latina?
WILLIAMSON -
A revista "Economist" acertou quando defendeu num artigo recente que a maioria da América Latina, na verdade, rejeitou os candidatos de esquerda. As pessoas podem ter escolhido alguns que abraçavam a social-democracia européia, como Lula, mas tipos como Chávez representam quatro países, talvez cinco, se incluir a Argentina. Mas, não, eu não previ.

FOLHA - O sr. citou a Argentina. Para encerrar: o país é sempre citado como um antiexemplo, por entrar em 2000 numa das piores crises econômicas ao seguir os seus preceitos. Como responde a isso?
WILLIAMSON -
As pessoas parecem ignorar o fato de que a Argentina não seguiu duas das mais básicas propostas no Consenso: taxa de câmbio responsável e política fiscal ajustada.


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