São Paulo, Domingo, 22 de Agosto de 1999
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INVESTIMENTOS
O desafio é equilibrar a busca de lucros com a preservação do meio ambiente, afirma presidente da Asean Brown Bovery
Empresário condena "briga" por investimento

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

Göram Lindahl, presidente da ABB (Asean Brown Bovery), uma das maiores empresas globais no setor de grandes projetos de engenharia, considera ineficientes os resultados de políticas de competição excessiva pela atração de investimentos.
Em entrevista exclusiva à Folha, durante a 1ª Consulta Latino-Americana sobre Barragens, Lindahl defendeu uma nova regulação dos investimentos, supranacional, que leve em conta os impactos sociais e sobre o meio ambiente dos grandes projetos de infra-estrutura. O Brasil responde por cerca de US$ 1 bilhão dos projetos da ABB, ocupando a décima posição entre os US$ 30 bilhões que a empresa administra em escala global.
Na América Latina, a ABB atua também no Chile, Venezuela, Colômbia e México. Lindahl é membro da Comissão Mundial de Barragens, que foi criada em 1997 e conta com a participação do brasileiro José Goldemberg.

Folha - Os governos têm privilegiado grandes obras em nome do desenvolvimento, mas a pobreza e a desigualdade continuam aumentando. Algum dia esse problema será enfrentado?
Lindahl -
A pobreza é um reflexo da disponibilidade de eletricidade. Poucas pessoas questionam isso. A questão é como construir barragens de modo a provocar impactos mínimos na natureza e na vida das pessoas. O desafio é equilibrar a busca de lucros com a preservação dessas preocupações. Nesse sentido, essa Comissão é algo inédito, pela primeira vez estão sentando à mesma mesa representantes da sociedade, de empresas, de governos e de organismos multilaterais.

Folha - Quais os principais problemas ambientais gerados pela construção de barragens?
Lindahl -
Uma grande preocupação é a recolocação de populações afetadas pelos deslocamentos de rios e pela construção de grandes represas e usinas hidroelétricas. O impacto sobre florestas tropicais também é central. Sempre haverá algum impacto, a questão é como limitá-los. A construção de um hospital ou de uma escola também provocam impactos ambientais.

Folha - Estaria surgindo um novo paradigma de utilização da água no planeta, com mais ênfase na reeducação dos consumidores e no uso eficiente e menos preocupação com a construção de grandes barragens?
Lindahl -
Essa Comissão pode ser um ponto de partida para algo assim, já que os principais interessados estão sentando à mesa para dialogar. No momento, é preciso construir um consenso em torno de critérios básicos, uma espécie de lista de fatores considerados cruciais que devem ser levados em conta na avaliação dos projetos no setor. Não se relaciona apenas com a construção da barragem, mas com a preservação de fontes de água fresca, por exemplo. Hoje há mais de 2 bilhões de pessoas no mundo sem acesso cotidiano a água fresca. É uma das questões centrais para as próximas décadas.

Folha - A política do uso da água e da administração de fontes poderá ser mais importante que os investimentos na oferta?
Lindahl -
Podemos dizer que a oferta será o fator mais importante, pois já existe uma carência é levará muito tempo para atuar sobre a demanda.

Folha - Qual deve ser a prioridade no combate à pobreza, oferta de água ou de eletricidade?
Lindahl -
Não se pode responder preto no branco a essa questão, muitas vezes ambos estão envolvidos no mesmo projeto. Enfrentar enchentes, por exemplo, tem sido um aspecto decisivo que depende das opções políticas, da legislação existente. Os países árabes, por exemplo, têm pouca água, mas investiram em grandes instalações para a dessalinização.

Folha - E o uso de usinas menores, mais descentralizadas?
Lindahl -
É uma alternativa. Em alguns casos a opção é por projetos de grande porte, como a represa das Três Gargantas, na China. A opção por plantas menores, mais distribuídas pode ajudar a enfrentar as questões sociais e ambientais. Há também caminhos como o uso de gás como fonte de energia, que podem ter impactos sociais e ambientais menos agressivos.

Folha - Qual a posição do Brasil no sistema global de produção da ABB?
Lindahl -
Para geradores, usamos fábricas da Suíça, Espanha e Brasil. Mas na área de transmissão, os cabos para transmissão em longas distâncias são produzidos na Suécia.

Folha - O que define essa distribuição das unidades produtivas?
Lindahl -
Um fator decisivo é a disponibilidade de financiamento. Quanto maior o custo do crédito para um país, maior a dificuldade de usá-lo como base para exportar. Como uma empresa multinacional, podemos combinar as fontes externas levando em conta esses custos financeiros comparados.

Folha - A ABB tem se envolvido em alguns casos ruidosos de corrupção, na África, por exemplo, recentemente. Nesses projetos de grande porte, sempre envolvendo governos, como a empresa lida com a questão da corrupção?
Lindahl -
A empresa procura definir padrões bastante rigorosos de relacionamento com os governos e, se surgem problemas de corrupção, tentamos enfrentá-los o mais rapidamente possível. É preciso sinalizar à organização que esse tipo de coisa não pode ser tolerado. Sem entrar em detalhes, no caso desse escândalo em Lesoto, desde 1987 tínhamos conhecimento de problemas envolvendo a empresa. Nós mesmos decidimos cooperar com os promotores na Suíça e em Lesoto. Isso resultou na demissão do funcionário responsável.

Folha - Qual tem sido o envolvimento da ABB nas políticas sociais dos países em que opera?
Lindahl -
Não posso dizer que já exista uma política, propriamente. Até alguns anos atrás, as empresas cuidavam de seus negócios e não entravam nesse tipo de questão. Creio que principalmente depois da Conferência do Rio, isso começou a mudar. Mas a dificuldade também está do lado dos governos, pois os políticos têm interesses de curto prazo, determinados pelo ciclo eleitoral.

Folha - Qual o impacto da crise recente nos mercados emergentes sobre projetos de longo prazo?
Lindahl -
O mundo tem muito capital, mas os investidores se tornaram mais avessos ao risco, o que dificulta o financiamento dos projetos. Mas a tendência de longo prazo é de expansão e o capital privado já predomina nos investimentos de infra-estrutura. O problema também está na escolha de projetos adequados.

Folha - As políticas regionais de atração de investimentos podem ter um efeito compensador?
Lindahl -
É algo arriscado. Veja o caso dos países destruídos pelos conflitos nos Balcãs. Eles estão competindo por projetos, o que pode ser contraproducente, levando à escolha de projetos que não são os mais eficientes do ponto de vista regional, mas que são levados adiante por causa da competição entre os vários governos. A competição torna-se ineficiente.


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