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INVESTIMENTOS
O desafio é equilibrar a busca de lucros com a preservação do meio ambiente, afirma presidente da Asean Brown Bovery
Empresário condena "briga" por investimento
GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas
Göram Lindahl, presidente da
ABB (Asean Brown Bovery), uma
das maiores empresas globais no
setor de grandes projetos de engenharia, considera ineficientes os
resultados de políticas de competição excessiva pela atração de investimentos.
Em entrevista exclusiva à Folha,
durante a 1ª Consulta Latino-Americana sobre Barragens, Lindahl defendeu uma nova regulação dos investimentos, supranacional, que leve em conta os impactos sociais e sobre o meio ambiente dos grandes projetos de infra-estrutura. O Brasil responde
por cerca de US$ 1 bilhão dos projetos da ABB, ocupando a décima
posição entre os US$ 30 bilhões
que a empresa administra em escala global.
Na América Latina, a ABB atua
também no Chile, Venezuela, Colômbia e México. Lindahl é membro da Comissão Mundial de Barragens, que foi criada em 1997 e
conta com a participação do brasileiro José Goldemberg.
Folha - Os governos têm privilegiado grandes obras em nome
do desenvolvimento, mas a pobreza e a desigualdade continuam aumentando. Algum dia
esse problema será enfrentado?
Lindahl - A pobreza é um reflexo da disponibilidade de eletricidade. Poucas pessoas questionam
isso. A questão é como construir
barragens de modo a provocar
impactos mínimos na natureza e
na vida das pessoas. O desafio é
equilibrar a busca de lucros com a
preservação dessas preocupações.
Nesse sentido, essa Comissão é algo inédito, pela primeira vez estão
sentando à mesma mesa representantes da sociedade, de empresas, de governos e de organismos multilaterais.
Folha - Quais os principais problemas ambientais gerados pela
construção de barragens?
Lindahl - Uma grande preocupação é a recolocação de populações afetadas pelos deslocamentos de rios e pela construção de
grandes represas e usinas hidroelétricas. O impacto sobre florestas
tropicais também é central. Sempre haverá algum impacto, a
questão é como limitá-los. A
construção de um hospital ou de
uma escola também provocam
impactos ambientais.
Folha - Estaria surgindo um
novo paradigma de utilização
da água no planeta, com mais
ênfase na reeducação dos consumidores e no uso eficiente e
menos preocupação com a
construção de grandes barragens?
Lindahl - Essa Comissão pode
ser um ponto
de partida para
algo assim, já
que os principais interessados estão sentando à mesa
para dialogar.
No momento,
é preciso construir um consenso em torno
de critérios básicos, uma espécie
de lista de fatores considerados
cruciais que devem ser levados
em conta na avaliação dos projetos no setor. Não se relaciona apenas com a construção da barragem, mas com a preservação de
fontes de água fresca, por exemplo. Hoje há mais de 2 bilhões de
pessoas no mundo sem acesso cotidiano a água fresca. É uma das
questões centrais para as próximas décadas.
Folha - A política do uso da
água e da administração de fontes poderá ser mais importante
que os investimentos na oferta?
Lindahl - Podemos dizer que a
oferta será o fator mais importante, pois já existe uma carência é levará muito tempo para atuar sobre a demanda.
Folha - Qual deve ser a prioridade no combate à pobreza,
oferta de água ou de eletricidade?
Lindahl - Não se pode responder preto no branco a essa questão, muitas vezes ambos estão envolvidos no mesmo projeto. Enfrentar enchentes, por exemplo,
tem sido um aspecto decisivo que
depende das opções políticas, da
legislação existente. Os países árabes, por exemplo, têm pouca
água, mas investiram em grandes
instalações para a dessalinização.
Folha - E o uso de usinas menores, mais descentralizadas?
Lindahl - É uma alternativa. Em
alguns casos a opção é por projetos de grande porte, como a represa das Três Gargantas, na China. A opção por plantas menores,
mais distribuídas pode ajudar a
enfrentar as questões sociais e
ambientais. Há também caminhos como o uso de gás como
fonte de energia, que podem
ter impactos
sociais e ambientais menos
agressivos.
Folha - Qual
a posição do
Brasil no sistema global de
produção da
ABB?
Lindahl - Para geradores, usamos fábricas da Suíça, Espanha e
Brasil. Mas na área de transmissão, os cabos para transmissão em
longas distâncias são produzidos
na Suécia.
Folha - O que define essa distribuição das unidades produtivas?
Lindahl - Um fator decisivo é a
disponibilidade de financiamento. Quanto maior o custo do crédito para um país, maior a dificuldade de usá-lo como base para exportar. Como uma empresa multinacional, podemos combinar as
fontes externas levando em conta
esses custos financeiros comparados.
Folha - A ABB tem se envolvido em alguns casos ruidosos de
corrupção, na África, por exemplo, recentemente. Nesses projetos de grande porte, sempre
envolvendo governos, como a
empresa lida com a questão da
corrupção?
Lindahl - A empresa procura
definir padrões bastante rigorosos de relacionamento com os governos e, se surgem problemas de
corrupção, tentamos enfrentá-los
o mais rapidamente possível. É
preciso sinalizar à organização
que esse tipo de coisa não pode
ser tolerado. Sem entrar em detalhes, no caso desse escândalo em
Lesoto, desde 1987 tínhamos conhecimento de problemas envolvendo a empresa. Nós mesmos
decidimos cooperar com os promotores na Suíça e em Lesoto. Isso resultou na demissão do funcionário responsável.
Folha - Qual tem sido o envolvimento da ABB nas políticas sociais dos países em que opera?
Lindahl - Não posso dizer que já
exista uma política, propriamente. Até alguns anos atrás, as empresas cuidavam de seus negócios
e não entravam nesse tipo de
questão. Creio que principalmente depois da Conferência do Rio,
isso começou a mudar. Mas a dificuldade também está do lado dos
governos, pois os políticos têm interesses de curto prazo, determinados pelo ciclo eleitoral.
Folha - Qual o impacto da crise
recente nos mercados emergentes sobre projetos de longo prazo?
Lindahl - O mundo tem muito
capital, mas os investidores se tornaram mais avessos ao risco, o
que dificulta o financiamento dos
projetos. Mas a tendência de longo prazo é de expansão e o capital
privado já predomina nos investimentos de infra-estrutura. O problema também está na escolha de
projetos adequados.
Folha - As políticas regionais
de atração de investimentos podem ter um efeito compensador?
Lindahl - É algo arriscado. Veja
o caso dos países destruídos pelos
conflitos nos Balcãs. Eles estão
competindo por projetos, o que
pode ser contraproducente, levando à escolha de projetos que
não são os mais eficientes do ponto de vista regional, mas que são
levados adiante por causa da
competição entre os vários governos. A competição torna-se ineficiente.
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