São Paulo, domingo, 22 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Novo plano japonês rompe com a ortodoxia financeira

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

A tal ponto chegou a estagnação japonesa que o Banco do Japão anunciou, na semana passada, uma estratégia que rompe com todos os preceitos da ortodoxia financeira, algo praticamente sem precedentes na história recente da economia mundial. O banco central japonês vai começar a comprar ações de empresas controladas ou associadas aos bancos em dificuldades.
A propriedade cruzada de ações entre empresas e bancos sempre foi um dos segredos do sucesso financeiro japonês. Mas desde o final da bolha especulativa, nos anos 90, o que era uma virtude estratégica transformou-se num pesadelo crônico.
As Bolsas caem, arrastando os bancos que, sem poder emprestar nem receber créditos, tornam a situação das empresas ainda mais difícil, o que prejudica o seu valor em Bolsa.
O círculo vicioso já tem mais de uma década. Cálculos oficiais situam em US$ 428 bilhões o volume de ativos podres (empréstimos com baixa ou nenhuma perspectiva de recuperação) no sistema bancário japonês. De acordo com informações do "Wall Street Journal", o Banco do Japão estaria disposto a comprar US$ 49 bilhões em ações, que ficariam em seus cofres por dez anos.

Credibilidade em risco
Masaru Hayami, o presidente do banco central japonês, rendeu-se a um esquema de resgate de bancos e empresas que sempre foi anátema entre os economistas ortodoxos. E reconheceu: não há banco central no clube das economias desenvolvidas que atue desse modo, colocando em risco a credibilidade do próprio banco central como emprestador de última instância. O Fed (banco central dos Estados Unidos) é proibido por lei de comprar ações.
Afinal, é a mais pura injeção de dinheiro em bancos e empresas falidas, algo que pode evitar uma crise maior, mas que em caso de fracasso também poderia levar a níveis de corrupção e injustiça sem precedentes. Afinal, quem vai controlar a impressora de papel-moeda e selecionar os beneficiados pelo esquema?
A questão não é apenas saber que empresas e bancos sairiam ganhando. O velho ideal de independência do banco central pode ir por água abaixo, pois nada garante que as ações das autoridades estejam voltadas apenas para o saneamento do sistema financeiro. O calendário político e o clima na Bolsa também podem entrar na agenda.
O fato é que a inclusão de ações no balanço de um banco central é sinônimo de injetar risco no âmago de uma instituição que deveria representar a estabilidade e a segurança por excelência.
Se o esquema não funcionar, como já ocorreu com tantos outros expedientes usados pelo governo japonês nos últimos anos para reanimar a economia, será atingida a própria noção de regulação monetária.
Em termos simbólicos, é algo semelhante à desmoralização das regras financeiras atualmente em curso na economia norte-americana.
Em outras palavras, a crise econômica mundial entra numa nova fase. Em crises clássicas, o baixo dinamismo, a recessão ou a estagnação preocupam.
O exemplo japonês, semelhante ao que se vê nos Estados Unidos, indica uma deterioração mais profunda, pois a instabilidade atinge o próprio sistema de normas, fragilizando as instituições fundamentais sem as quais a própria definição de "mercado" perde sentido.
Combinam-se na mesma vertigem uma crise econômica e um desnorteio institucional.


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