São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2006

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Teologia do baixo crescimento


Enquanto o resto do mundo se refestela com crescimento elevado, o Brasil trota com ímpeto de Rocinante
A CONTROVÉRSIA sobre as "conseqüências econômicas dos senhores Alckmin e Lula" exibiu poucos lances emocionantes, quase sempre ao largo dos debates tediosos travados pelos candidatos. Já as desavenças entre as assessorias deambularam por temas como privatizações, mudanças na política fiscal e promessas de decifrar o comportamento enigmático e atípico dos juros e do câmbio na "terra brasilis". Enquanto o resto do mundo se refestela com "yields" deprimidos, inflação baixa e taxas de crescimento elevadas, o Brasil, a despeito da inegável solidez dos fundamentos, trota com ímpeto de Rocinante.
O economista Yoshiaki Nakano esquentou a discussão ao sugerir um corte drástico nos gastos do governo, intervenções mais incisivas do BC no mercado de câmbio e, se necessário, a adoção de medidas de controle sobre o fluxo de capitais. O propósito é reverter a sobrevalorização do real e libertar a política monetária das armadilhas da arbitragem financeira estimulada pelos espantosos diferencias entre a "policy rate" nativa e as similares globais.
Na tribo dos economistas que habitam reputadas consultorias e bancos de igual prestígio, os mais sangüíneos afiaram as zarabatanas do saber incontestável e tiraram dos armários os tacapes das certezas irremovíveis. Com esse arsenal de argumentos, costumam sonhar com o esmagamento da desprezível massa craniana dos dissidentes. Nakano levou as bordoadas de praxe, não por recomendar a tesourada no gasto público, mas por sugerir a intervenção no câmbio.
O Bank of International Settlements e o FMI, em relatórios recentes, cuidaram de avaliar os benefícios e os inconvenientes da acumulação de reservas pelos países emergentes, particularmente pela China. Os relatórios estão inçados de advertências quanto aos riscos fiscais (crescimento da dívida publica), monetários (expansão excessiva do crédito e bolhas de ativos), distorções na alocação de recursos (sobreinvestimento em alguns setores) e patrimoniais (perda de capital decorrentes da desvalorização da moeda estrangeira acumulada), todos associados às intervenções "esterilizadas" ou executadas mediante controles quantitativos do crédito.
Mas os textos não desqualificam os benefícios de tais políticas. Diz o BIS no "Quarterly Review" de setembro: "Contrariamente à sabedoria convencional (...), há alguma evidência de que as intervenções "esterilizadas" são mais efetivas em influenciar a taxa de câmbio nos mercados emergentes".
Nascidas das entranhas da filosofia política e moral do século 18, a economia teórica e as práticas de política econômica têm sido assoladas por dissensões candentes, não raro de qualidade e honestidade intelectual duvidosas, sobretudo quando protagonizadas por cérebros que entram em efervescência cognitiva à temperatura ambiente.
As polêmicas e as batalhas acabam resolvidas por forças políticas que percebem as mudanças no ambiente histórico e social. São elas que comandam as transições não percebidas pelos economistas, teólogos da bem-aventurança terrestre, verdadeiros profetas do passado.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 63, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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