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São Paulo, sábado, 22 de novembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Limites da Alca "light"

GESNER OLIVEIRA

A 8ª Reunião Ministerial da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) terminou anteontem em Miami sem impasses nem conclusões.
Foi um desfecho diplomático. De um lado, a reunião não pode ser considerada um fracasso como a da OMC (Organização Mundial do Comércio) em Cancún. Um sem-número de declarações de boa vontade reafirmaram o compromisso dos participantes com o cronograma da Alca.
De outro lado, não se definiu grande coisa, adiando a discussão para a reunião de vice-ministros em Puebla, no México. Esse encontro deverá servir para aparar as arestas, preparando a última reunião ministerial de negociação antes do início da implementação da Alca, em janeiro de 2005.
A reunião de Miami só geraria maior atenção em hipóteses extremas, altamente improváveis na atual conjuntura. Uma primeira seria uma indicação de convergência das delegações em torno de uma Alca abrangente, a ser implementada com maior rapidez.
Esse era o desejo de países mais abertos, como o Canadá e o Chile. O volume de comércio (isto é, a soma das exportações e das importações) sobre o produto dessas economias representa 81% e 61% da produção, respectivamente. O México também sustenta uma posição desse tipo, porém com a intenção não-declarada de manter o status quo e se beneficiar de um acesso privilegiado ao mercado da América do Norte por meio do Nafta.
Na hipótese de uma aceleração da Alca, o Brasil e o Mercosul passariam naturalmente a representar uma área relativamente mais atraente para a recepção de investimento direto, com efeitos positivos sobre as exportações e o crescimento.
No entanto esse cenário é pouco provável, pelo menos no curto prazo. A disposição de concessões significativas por parte dos EUA é pequena, e a subordinação da discussão sobre os temas mais relevantes para o Mercosul -como o da agricultura- à rodada da OMC limita as possibilidades de avanço imediato. Assim, o compromisso em torno de uma "Alca light", isto é, um acordo restrito a temas de consenso, parece mais realista na atualidade. Nesse caso, não haveria efeitos significativos sobre as expectativas dos agentes ou sobre as perspectivas de crescimento do país e da região.
A reunião de Miami despertaria atenção em uma segunda hipótese de absoluto impasse das negociações. Isso levaria a prognósticos de retrocesso grave na política comercial com possíveis repercussões sobre a avaliação de risco de países de situação econômica mais frágil.
Porém essa segunda hipótese é igualmente improvável. Por razões distintas, as conjunturas políticas tanto dos EUA quanto do Brasil não recomendam uma situação de impasse na condução da política externa e da Alca em particular.
Para a administração Bush, isso representaria mais uma situação de conflito e frustração na área externa. Para o governo Lula, o rompimento com a Alca seria demasiadamente audacioso, algo incompatível com a nova plataforma do Partido dos Trabalhadores no governo.
Ao mesmo tempo, em nenhum dos casos há condições ou determinação política de concessões substantivas para acelerar a constituição da área de livre comércio. Em ambos os países, convém levar a Alca em banho-maria.
Em princípio, não há limites para tal estratégia, a não ser, é claro, a tarefa de refazer o cronograma de implementação da Alca. Persiste, no entanto, o problema de crescimento insuficiente de países como o Brasil, para o qual falta uma estratégia e a mera protelação não constitui resposta satisfatória.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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