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São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 2003

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ARTIGO

Não é superávit que fará o Brasil crescer

DAVID MALPASS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O ambiente econômico mundial vem sendo particularmente desafiador nos últimos anos. O vigor do dólar em 1997 e 1998 prejudicou os produtores de commodities e deu início a uma deflação generalizada da qual mal começamos a sair. Ameaças de guerra e terrorismo deprimiram a confiança das empresas. Para o Brasil, a recessão mundial implica em uma economia fraca e em menos interesse estrangeiro em investir no país.
Acredito que o Brasil tenha o potencial de crescer rapidamente nos próximos anos. Diferentemente de muitos países desenvolvidos, lá existe espírito empreendedor, pequenas empresas, uma população enérgica, um sistema financeiro sofisticado e uma democracia vibrante, como 2002 uma vez mais demonstrou.
O crescimento rápido no Brasil seria um desdobramento favorável. Elevaria o padrão de vida brasileiro, aliviaria as pressões sobre a dívida do país e separaria o Brasil da estagnação econômica que aflige boa parte dos países em desenvolvimento. Criaria uma plataforma econômica mais estável na América Latina, beneficiando os vizinhos brasileiros, entre os quais os Estados Unidos.
Minha crítica do programa econômico do governo passado se baseava na falta de uma estratégia de crescimento. Não acredito que um país tenha condições de crescer se sua divisa é fraca. O real fraco forçava a adoção de taxas elevadas de juros, dispendiosas fugas de capital e alta da inflação.
O banco central teve de vender dólares repetidamente para desacelerar o colapso do real, mas imprimia reais com tanta rapidez que a base monetária cresceu em 3,2% em dezembro de 2002, ante os totais de dezembro de 2001. O resultado é fraqueza para o real, uma queda de bilhões de dólares nas reservas cambiais e aumento da dívida do país para com o FMI.
Acredito que uma melhor abordagem de política monetária seria dar prioridade elevada à estabilidade do real e regular o crescimento da base monetária de acordo com esse fluxo. Isso permitiria taxas de juros muito mais baixas, convidaria a um influxo de capital, ampliaria as reservas cambiais e ajudaria a propiciar um crescimento rápido.
Ainda assim, o governo anterior obteve notáveis realizações econômicas, o que deixou o Brasil mais bem preparado para os atuais desafios. Essas realizações ajudaram a reforçar as instituições econômicas brasileiras. O governo trabalhou com afinco para melhorar o relacionamento entre o governo federal e os estaduais, e para resolver alguns dos problemas financeiros dos Estados e municípios. Era uma tarefa difícil, e importante. Os Estados Unidos terão de dedicar anos ao mesmo trabalho agora que as finanças locais e estaduais se deterioraram. A Argentina fracassou em resolver a questão da relação entre as dívidas federais e provinciais, o que contribuiu para o colapso de sua economia.
Encaro com agrado a força do Brasil nos mercados financeiros desde a eleição do presidente Lula. Isso dá tempo ao país para que enfrente muitos problemas econômicos e sociais. Ressurgiram os negociações sobre reforma dos sistemas de seguro social e tributário, e ambas as coisas, creio, permitiriam que o Brasil cresça mais depressa.
No cerne do desafio econômico que o país enfrenta em 2003 e 2004 está a urgência quanto ao desenvolvimento de uma estratégia de crescimento rápido. Em todo o mundo, crescimento rápido requer base monetária sólida, baixas taxas de juros, baixas alíquotas tributárias e um ambiente liberal de comércio externo.
Infelizmente, não creio que o atual programa econômico vá funcionar para restaurar o crescimento rápido. As taxas de juros extremamente elevadas não estão funcionando para reforçar a confiança no real ou sequer para controlar o crescimento da base monetária.
O grande superávit orçamentário primário sai caro em termos de programas de manutenção, investimento e sociais financiados pelo governo federal. Mas ainda assim deixa o orçamento federam em déficit e a dívida nacional em alta acelerada. Creio que o foco deveria ser o componente de serviço da dívida, no déficit fiscal.
Por fim, o muito alardeado ajuste comercial não ajudará o Brasil a crescer rapidamente. Um superávit comercial significa saída e não entrada de capitais. No caso do Brasil, implicou em severa contração de importações, incluindo as de bens de capital. O Japão vem registrando superávits comerciais desde os anos 80, mas isso é um simples reflexo de sua descapitalização. O Brasil deveria se concentrar em crescer, e rápido, o que resultará em mais importações e um melhor padrão de vida.


David Malpass é economista-chefe mundial do Bear Stearns

Tradução de Paulo Migliacci



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