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São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 2003

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TRABALHO

Taxas e impostos sindicais estimulam criação de entidades, em que o país é recordista; Estado não pode barrar

Reforma sindical também desafia Lula

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva não tem como brecar a indústria de sindicatos no Brasil -ao menos por enquanto. Até que a reforma sindical saia do papel, o Ministério do Trabalho tem de cumprir portarias de administrações anteriores, normas da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e artigos da Constituição que impedem a intervenção do Estado no setor.
O Brasil é recordista em número de sindicatos. São cerca de 16 mil no país. Ainda assim, o ministério recebe quase cem pedidos de abertura de novas entidades por mês. Elas querem o registro porque só assim podem receber o imposto sindical obrigatório, além de outras contribuições.
De janeiro até agora, foram feitas ao ministério 140 solicitações de registro e de alteração nos estatutos de sindicatos. Nesse período, 42 novos sindicatos e duas federações obtiveram registros.
O governo está numa encruzilhada. Sabe que muitos desses pedidos são de sindicatos-fantasmas ou pouco representativos. Mas, se a documentação apresentada está em ordem, respeita a regra de que só pode haver um sindicato por categoria e por região e não há contestações de outras entidades, pouco o ministério pode fazer além de conceder o registro.
"Existe uma máfia para a criação de sindicatos no Brasil. Desde janeiro, estamos tratando dos registros com olhar mais crítico. Mas, se o sindicato cumpriu o que está estabelecido, não podemos segurar a liberação", afirma Osvaldo Bargas, secretário de Relações do Trabalho do ministério.
Enquanto a reforma na estrutura sindical não acontece, o governo estuda algumas propostas para dificultar a obtenção do registro -como a criação de uma portaria com regras mais rígidas para a abertura de sindicatos.
A Folha apurou que essa portaria deve estabelecer um percentual mínimo de sócios (cerca de 30% da base) para que o sindicato obtenha o registro do ministério. O Sindicato dos Bancários de São Paulo, por exemplo, cumpriria essa regra -a entidade tem em sua base 105 mil funcionários, dos quais 50% são sócios.
A portaria também pode exigir que a criação da entidade ocorra em data acertada com o governo e que os participantes da assembléia sejam identificados -com CPF, RG, endereço e nome da empresa em que trabalham.
Seria uma forma, no entender do ministério, de acabar com assembléias forjadas, que chegam a ocorrer até em feriados, como no Carnaval e no Réveillon.
Outra proposta dessa portaria é dar registro provisório aos novos sindicatos -o definitivo só viria após dois anos. Nesse prazo, eles teriam de comprovar sua representação e atuação em benefício dos trabalhadores. Hoje, o registro pode sair em 60 dias após o pedido feito ao ministério.
"O ideal seria que os trabalhadores buscassem a unificação dos sindicatos, e não a sua fragmentação. Com sindicatos mais fortes, os empregados poderão ser mais bem representados", diz Bargas.
O ministério quer discutir o conteúdo dessa portaria com as centrais sindicais o mais rápido possível, assim como a ampla reforma sindical e trabalhista. Até abril, deve ser formado o Fórum Nacional do Trabalho, com trabalhadores, patrões e governo.
A idéia é discutir as propostas de mudança até o final deste ano. O que o governo petista defende é a liberdade sindical -poderia haver mais de um sindicato por categoria e região- e o fim do imposto sindical. Na área trabalhista, uma das propostas é discutir a redução da jornada de trabalho.
Mudar a estrutura sindical do país não será tarefa fácil. "A reforma depende de uma revisão na Constituição", afirma o advogado trabalhista Luis Carlos Moro. É que o artigo 8º da Constituição mantém o imposto, a unicidade sindical e ainda assegura a não-interferência do Estado no setor.
Na CLT, também há uma quantidade de normas que estabelecem regras desde a criação do sindicato até a obtenção de registro. Existe ainda a portaria 343 de 2000, assinada pelo ex-ministro do Trabalho Francisco Dornelles, que, segundo advogados ouvidos pela Folha, facilita a expansão da indústria de sindicatos no país.
"Se o governo estabelecer uma portaria para tentar brecar os sindicatos-fantasmas, estará adotando os mesmos instrumentos do governo anterior", afirma Moro.
Para ele, para que se faça de fato uma reforma sindical, é necessária uma grande discussão para alterar a Constituição e a CLT. "É um tema complicado porque envolve interesses de muita gente que depende da estrutura atual."
A criação de uma portaria que proponha um índice mínimo de sindicalização para conceder registro a uma entidade é, para o advogado trabalhista João José Sady, uma forma equivocada de tentar barrar a indústria de sindicatos.
"Com esse critério, o governo não poderá prever de antemão quem é sério ou não. Mesmo os sindicatos mais tradicionais não têm hoje um terço de associados", diz Sady. Para ele, a saída é acabar com o imposto sindical. "O dirigente nem precisa trabalhar porque tem a garantia de que o dinheiro vai entrar no caixa faça ele ou não algo pelo trabalhador."



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