São Paulo, quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

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INVESTIGAÇÃO

Operações irregulares seriam feitas de Miami via BankBoston International para trazer dinheiro ao país; banco não comenta

Empresário revela esquema de remessa ilegal

Jorge Araújo/Folha Imagem
O empresário Luiz Cintra Filho, que diz ter feito transferências ilegais de dólares de Miami para o Brasil com a ajuda do BankBoston e de doleiros

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O empresário paulista Luiz Barros de Ulhôa Cintra Filho, 64, afirma ter feito inúmeras transferências ilegais de dólares de Miami (EUA) para o Brasil com a ajuda do BankBoston International e de uma rede internacional de doleiros entre 1991 e 1997.
O dinheiro movimentado pelo empresário tinha origem em caixa dois. Segundo ele, foi uma funcionária do banco quem indicou alguns dos doleiros.
Cintra Filho diz que as operações nunca foram declaradas à Receita Federal ou ao Banco Central e chegaram a cerca de US$ 300 mil em alguns anos. Ele afirma ter "interesses pessoais" para fazer as revelações.
Várias das movimentações ocorreram à época em que o atual presidente do BC, Henrique Meirelles, era presidente mundial do BankBoston Corporation, em Boston (1996-99).
Segundo o BankBoston no Brasil, as operações de Miami, mesmo envolvendo brasileiros, não são de responsabilidade da administração brasileira.
Procurado nos EUA, um assessor de comunicação do Bank of America, que controla o BankBoston International desde 2003, disse que a política do banco é a de não comentar operações feitas por seus clientes. O assessor preferiu não ter seu nome publicado.
Documentos que Cintra Filho apresenta mostram inúmeras transferências de sua conta 9042670, no BankBoston de Miami, para o MTB Bank, em Nova York, na conta da Horten Financial, mantida no MTB por uma rede de doleiros.
Se o empresário e o banco quisessem fazer a operação legalmente, bastaria uma transferência direta para uma conta bancária dele no Brasil. Só que essa operação acabaria registrada no BC -daí o uso da conta de doleiros.
O MTB Bank foi identificado em 2003 pela Polícia Federal como sendo um núcleo de operações de doleiros. Segundo a PF, a Horten Financial era uma offshore administrada por doleiros.

Como funcionava
Na prática, o esquema era o seguinte, segundo relato de Cintra Filho:
1) Ele recebia comissões de negócios nos EUA e depositava os dólares no BankBoston de Miami; 2) O BankBoston transferia o dinheiro para a conta de um doleiro no MTB, que informava o recebimento a um parceiro seu no Brasil; 3) O doleiro brasileiro pagava Cintra Filho em reais (em dinheiro), geralmente em uma casa de câmbio no centro de São Paulo.
Todos os registros dessas transferências, assim como os extratos que ele apresenta de sua conta no BankBoston, eram gerados com o aviso "hold mail". Isso servia, segundo o empresário, para que os documentos fossem retidos na própria agência de Miami e jamais enviados ao Brasil.
No início desta semana, a PF abriu um inquérito contra 18 bancos que operam no país para investigar a suspeita de remessas irregulares e lavagem de dinheiro por meio de uma rede de doleiros.
Os bancos negam ter cometido irregularidades e já encaminharam explicações sobre as operações suspeitas ao BC, que qualificou como "não-conclusivas" a maioria das respostas dos bancos.

Remessas ao exterior
Operações como as relatadas por Cintra Filho fazem parte da investigação da PF, assim como remessas do Brasil para o exterior via doleiros.
As movimentações do MTB Bank são parte do inquérito da PF contra os bancos, assim como outros 269.869 registros nas subcontas da Beacon Hill, outra conta movimentada por doleiros.
Cintra Filho diz que todas as transferências ilegais de sua conta no BankBoston International eram processadas pela então gerente Silvia Rosen, que trabalhou na agência de Coral Gables, sul de Miami, e com quem manteve relações pessoais durante anos.
Segundo Cintra Filho, Silvia vinha ao Brasil cerca de cinco vezes ao ano. Ele diz que chegou a apresentar a ela vários empresários que posteriormente passaram a operar o esquema de caixa dois e as remessas ilegais no BankBoston. Ele não quis identificá-los.
O empresário diz ter ido várias vezes ao BankBoston em Miami. Lá, segundo ele, três funcionárias operavam com clientes brasileiros, e outras três, com argentinos, venezuelanos e mexicanos.
Uma funcionária do BankBoston em Coral Gables confirmou que Silvia trabalhou no local.
Procurada pela Folha no banco português Espirito Santo em Miami, onde trabalha atualmente, Silvia Rosen desligou abruptamente o telefone quando a reportagem a questionou sobre as operações de Cintra Filho e sua atuação no BankBoston.
Cintra Filho afirma que Silvia relatou várias vezes como a prática de remessas ilegais era "comum" na agência de Coral Gables e que os altos escalões do BankBoston tinham "conhecimento" do assunto, já que milhões de dólares eram movimentados mensalmente. Procurada, a assessoria do BC disse que Meirelles não iria se pronunciar.


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