São Paulo, terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

Americanos sem crédito no banco


Crise vai para o terceiro ano e bancos ainda cortam crédito. Sem emprego e "crediário", como os EUA vão crescer?

O TOTAL de empréstimos bancários nos Estados Unidos caiu mais de US$ 100 bilhões neste ano. Sim, neste ano de 2010, de recuperação econômica ainda que frágil e de bancões lucrando mais, com exceção daqueles que caíram na conta da viúva, os que levaram mais dinheiro direto do contribuinte americano. Trata-se de uma redução de 16%, em termos anuais.
Desde o início da crise, o total de crédito bancário nos Estados Unidos encolheu US$ 740 bilhões, o equivalente à metade da economia do Brasil, uma queda recorde de 10%, segundo Dave Rosenberg, economista-chefe da Gluskin Sheff, administradora de fortunas canadense ("private banking", como se diz).
Pelos dados do Fed, o banco central dos EUA, os empréstimos bancários começaram a cair em outubro de 2008, mês seguinte ao setembro da semana da grande quebra de instituições financeiras americanas. A seguir, com a hipótese escancarada de recessão, a atitude normal dos bancos foi a de se tornarem mais conservadores. Emprestam menos, restringem ainda mais os empréstimos para clientes que não tenham ótimo histórico de crédito, deixam mais dinheiro no "caixa" (em aplicações hiperconservadoras). Os consumidores também se retraem.
Os bancos fizeram ainda mais caixa porque o Fed ficou com os papéis podres deles. Em troca, a fim de evitar mais quebra, ofereceu quase-dinheiro (títulos da dívida do governo americano). O Fed ficou, por exemplo, com títulos cujo rendimento vem de prestações imobiliárias, que não valiam nada no auge da crise ("mortgage backed securities").
Segundo dados de Rosenberg, os empréstimos ao consumidor caíram 12% (neste ano, dados anualizados).
Imóveis, menos 13,5%. Para comércio e indústria, menos 19,3%. Captações de empresas também caem.
Bancos "criam dinheiro". O depósito de fulano no banco vira empréstimo para beltrano. Fulano continua a ter direito ao seu depósito e a passar cheques; beltrano pode comprar uma TV de plasma. Ou pode depositar o dinheiro no banco dele, que pode servir para a criação de mais crédito. E assim por diante.
Menos crédito, menos dinheiro para fazer a economia rodar. Além do mais, o Fed diz que aos poucos vai dar cabo dos programas de trocar dinheiro bom por papéis meio podres dos bancos. Ou seja, os bancos podem ficar menos "líquidos".
Como o desemprego nos EUA está muito alto, em torno de 10%, a situação fica ainda pior. Desemprego, de resto, em geral deprime os salários de quem vai ao mercado procurar trabalho. Por fim, está acabando o efeito do estímulo fiscal -o gasto do governo para fazer a economia pegar no tranco. Bancos na retranca, banco central prestes a enxugar o dinheiro da economia, desemprego e menos impulso fiscal compõem uma quadrilha perigosa.
Economistas que gostam de anunciar desastres dizem que isso é sinal de nova recessão. Por ora isso parece improvável, pois o governo americano tem instrumentos para ao menos conter desastres e o Fed mal começou a agir, apesar do fim paulatino dos programas de emergência e do aumento dos juros do "redesconto" (minúsculo).
A coisa toda não soa lá muito bem, de fato. Mas ainda é cedo.

vinit@uol.com.br


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