São Paulo, sábado, 23 de março de 2002

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Governo não conseguiu evitar a escalada da moeda dos EUA

Para BC, disparada do dólar pode trazer a híper de volta

FABRICIO VIEIRA
DE BUENOS AIRES

O governo assistiu impotente à espetacular escalada do dólar na Argentina, ontem. Nada do que o Banco Central fez conteve a fúria dos compradores, que levou a moeda norte-americana a disparar 19,2% e alcançar a cotação de 3,10 pesos.
O presidente Eduardo Duhalde, que chega hoje do México, já convocou uma reunião com todos os seus ministros para discutir o agravamento da crise após o descontrole do dólar.
O presidente do Banco Central argentino, Mario Blejer, declarou nesta semana que o dólar acima dos 2,80 pesos poderia se tornar incontrolável e desencadear a volta da hiperinflação ao país.
Com o dólar acima de 3 pesos ontem, economistas e analistas do mercado argentino já acreditam em uma mudança radical de rumo na política econômica do governo, o que pode incluir o retorno do câmbio fixo e da conversibilidade, uma possibilidade não descartada por Duhalde.
"A pressão por mudanças depois do descontrole do dólar que houve hoje [ontem" vai crescer rapidamente. Duhalde e, principalmente, os membros de sua equipe econômica estão altamente ameaçados. Serão semanas difíceis, que talvez incluam um novo plano econômico", afirma Martín Lynch, economista e sócio da Delphos Investment.
Blejer convocou uma reunião de emergência com os banqueiros para discutir estratégias para tentar controlar o câmbio.
O Banco Central não quis confirmar nem desmentir a possibilidade de ser instituído feriado cambial e bancário a partir de segunda-feira.

Rumores de feriado
Rumores de todo tipo alimentaram as longas filas nas casas de câmbio e nos bancos. Enquanto o dólar subia, falou-se em demissão do presidente do Banco Central e do ministro da Economia, Jorge Remes Lenicov, da volta da conversibilidade (eliminada em janeiro) e da decretação de feriado bancário e cambial durante a próxima semana.
"O governo não pensa em mudar as regras do jogo econômico", afirmou José Pampuro, secretário de Coordenação da Presidência, tentando, sem sucesso, acalmar os ânimos do mercado.
Com a alta de ontem, o peso acumula desvalorização de 68% diante do dólar desde o fim da conversibilidade.
A intervenções, infrutíferas até o momento, já consumiram cerca de US$ 1,2 bilhão das reservas internacionais do país.
Somente ontem foram mais US$ 70 milhões. Sem reajuste de salários, os argentinos sofrem com a perda progressiva e acelerada de poder aquisitivo.
O governo teme a intensificação dos protestos após a mostra de debilidade de ontem. Amanhã haverá uma manifestação na praça de Maio que reunirá os "partidos de vizinhos", desempregados e grupos de esquerda.

Sinais do mercado
Na quarta-feira, o mercado já tinha dado sinais de que o dólar poderia sair do controle a qualquer momento.
O endurecimento do discurso do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e da vice-diretora-gerente do Fundo, Anne Krueger, que pediram reformas mais drásticas para que o país tenha condições de receber socorro financeiro dos organismos internacionais, aumentou a desconfiança dos argentinos nos rumos que o governo tem dado ao país.
"O dólar disparou de forma irreversível. Não volta para os patamares ambicionados pelo governo de jeito nenhum. Ninguém tem mais confiança no programa econômico do governo", disse o economista Santiago Gallichio, da consultoria Exante.
Em um dia de forte pessimismo, os argentinos também buscaram refugio na Bolsa de Valores do país. O Merval disparou 6,68% e girou 52 milhões de pesos.
No mercado futuro, a escalada também foi forte, o que mostra as perspectivas negativas para o câmbio. Nos contratos que projetam o preço do dólar para daqui a um mês, a moeda dos Estados Unidos fechou cotada a 3,40 pesos. Para daqui a um ano, as apostas são do dólar comercializado a 5,50 pesos.
Perdido, o governo decidiu atacar todas as pontas que podia. Os "arbolitos" -pessoas que vendem dólares de forma ilegal nas ruas- foram um dos alvos.
Cerca de 200 deles foram presos pela Polícia Federal por praticar venda ilegal de moeda estrangeira, além de serem acusados de repassar notas falsas. Enquanto o câmbio estava mais calmo a polícia os deixou agir sem intervenções.



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