São Paulo, sábado, 23 de março de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Ambiente não é assunto de rico

GESNER OLIVEIRA

A noção de que o ambiente é relativamente menos importante na agenda dos países mais pobres está superada. O mundo em desenvolvimento não poderá reeditar a trajetória negligente do ponto de vista ambiental que países industrializados desenvolvidos tiveram nos séculos 18, 19 e 20.
Não se trata de uma imposição externa. Os desequilíbrios regionais e as diferenças abismais de padrão de vida no planeta e dentro de cada país não serão superados sem atenção às questões ambientais entendidas de maneira mais ampla.
Considere-se, apenas para citar um exemplo, a recomendação da Comissão das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável no sentido de conferir maior atenção às necessidades hídricas dos pobres. Ou ainda o tema do seminário desta última quinta-feira em Brasília, acerca do aproveitamento estratégico das águas do rio São Francisco.
Do ponto de vista formal, o Brasil se tornou um país ativo nessa área nas últimas duas décadas. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente é de 1981 e a Constituição de 1988 dedicou um capítulo ao tema.
Mas somente nos anos 90 a preocupação ambiental entrou na vida cotidiana das pessoas, escolas e empresas. Em relação a essas últimas, destaque-se que o Brasil chegou em 2000 a 330 certificações de ISO 14000, contra 159 do México e 114 da Argentina.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento foi sediada no Rio de Janeiro, em 1992. Esse encontro produziu a Agenda 21, que contém o elenco de medidas a serem adotadas para o desenvolvimento sustentado. Uma avaliação dos avanços e retrocessos será feita na Rio +10, a ser realizada em agosto/setembro deste ano, em Johannesburgo.
A perspectiva de uma rodada de negociação no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio) abre uma nova agenda sobre o ambiente para os países em desenvolvimento. Trata-se de um dos novos temas da OMC, conforme destacado em minucioso artigo de Vera Thorstensen ("O Brasil diante de um tríplice desafio: OMC, Alca e CE/Mercosul").
Conforme ressaltado pela autora, a questão ambiental já entrou na OMC por meio do Acordo de Barreiras Técnicas, Sanitárias e Fitossanitárias, bem como pela jurisprudência que começa a ser gerada pelos painéis da OMC.
Há razões de sobra para países em desenvolvimento como o Brasil estarem na ofensiva na questão ambiental. Seguem três exemplos. Em primeiro lugar, vários dos países mais ricos são responsáveis pela deterioração do ambiente. Os EUA, por exemplo, que resistem a assinar o Protocolo de Kyoto de 1997 para controle da emissão de gases poluentes, respondem por mais de um terço das emissões mundiais de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso.
Em segundo lugar, a União Européia e os EUA têm reforçado seu arsenal de protecionismo com argumentos pseudo-ambientalistas. Efeitos supostamente nocivos ao ambiente são utilizados como pretexto para colocar barreiras às exportações de países menos desenvolvidos.
Em terceiro lugar, os resultados da Rodada Uruguai e, em particular, o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, conhecido como Trips (do inglês "Trade-Related Aspects of Intelectual Property Rights"), não contemplam aspectos fundamentais para os países em desenvolvimento.
Países como o Brasil, que apresentam grande biodiversidade e comunidades detentoras de conhecimento tradicional, estão desprotegidos da chamada biopirataria.
Tome-se, por exemplo, o caso de uma planta amazônica com propriedades medicinais como a ayahuasca, usada por comunidades indígenas da região. Seu patenteamento por laboratório estrangeiro não traz nenhum benefício para as comunidades que desenvolveram sua aplicação.
Em persistindo essa apropriação indébita de conhecimento local, o Brasil poderá pagar uma soma considerável de royalties em alguns anos por aquilo que foi originalmente desenvolvido no país!
No passado houve quem pensasse que era possível crescer para depois se preocupar com as consequências para o ambiente. A realidade da economia globalizada sugere, no entanto, que ou o desenvolvimento é sustentado ou simplesmente não ocorrerá.


Gesner Oliveira, 45, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br



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