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OPINIÃO ECONÔMICA
Ambiente não é assunto de rico
GESNER OLIVEIRA
A noção de que o ambiente é
relativamente menos importante na agenda dos países mais
pobres está superada. O mundo
em desenvolvimento não poderá
reeditar a trajetória negligente do
ponto de vista ambiental que países industrializados desenvolvidos tiveram nos séculos 18, 19 e 20.
Não se trata de uma imposição
externa. Os desequilíbrios regionais e as diferenças abismais de
padrão de vida no planeta e dentro de cada país não serão superados sem atenção às questões ambientais entendidas de maneira
mais ampla.
Considere-se, apenas para citar
um exemplo, a recomendação da
Comissão das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
no sentido de conferir maior
atenção às necessidades hídricas
dos pobres. Ou ainda o tema do
seminário desta última quinta-feira em Brasília, acerca do aproveitamento estratégico das águas
do rio São Francisco.
Do ponto de vista formal, o Brasil se tornou um país ativo nessa
área nas últimas duas décadas. A
Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente é de 1981 e a Constituição de 1988 dedicou um capítulo
ao tema.
Mas somente nos anos 90 a
preocupação ambiental entrou
na vida cotidiana das pessoas, escolas e empresas. Em relação a essas últimas, destaque-se que o
Brasil chegou em 2000 a 330 certificações de ISO 14000, contra 159
do México e 114 da Argentina.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento foi sediada no Rio
de Janeiro, em 1992. Esse encontro
produziu a Agenda 21, que contém o elenco de medidas a serem
adotadas para o desenvolvimento
sustentado. Uma avaliação dos
avanços e retrocessos será feita na
Rio +10, a ser realizada em agosto/setembro deste ano, em Johannesburgo.
A perspectiva de uma rodada
de negociação no âmbito da
OMC (Organização Mundial do
Comércio) abre uma nova agenda sobre o ambiente para os países em desenvolvimento. Trata-se
de um dos novos temas da OMC,
conforme destacado em minucioso artigo de Vera Thorstensen ("O
Brasil diante de um tríplice desafio: OMC, Alca e CE/Mercosul").
Conforme ressaltado pela autora, a questão ambiental já entrou
na OMC por meio do Acordo de
Barreiras Técnicas, Sanitárias e
Fitossanitárias, bem como pela
jurisprudência que começa a ser
gerada pelos painéis da OMC.
Há razões de sobra para países
em desenvolvimento como o Brasil estarem na ofensiva na questão ambiental. Seguem três exemplos. Em primeiro lugar, vários
dos países mais ricos são responsáveis pela deterioração do ambiente. Os EUA, por exemplo, que
resistem a assinar o Protocolo de
Kyoto de 1997 para controle da
emissão de gases poluentes, respondem por mais de um terço das
emissões mundiais de dióxido de
carbono, metano e óxido nitroso.
Em segundo lugar, a União Européia e os EUA têm reforçado
seu arsenal de protecionismo com
argumentos pseudo-ambientalistas. Efeitos supostamente nocivos
ao ambiente são utilizados como
pretexto para colocar barreiras às
exportações de países menos desenvolvidos.
Em terceiro lugar, os resultados
da Rodada Uruguai e, em particular, o Acordo sobre Aspectos
dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, conhecido como Trips (do inglês "Trade-Related Aspects of Intelectual Property Rights"), não
contemplam aspectos fundamentais para os países em desenvolvimento.
Países como o Brasil, que apresentam grande biodiversidade e
comunidades detentoras de conhecimento tradicional, estão
desprotegidos da chamada biopirataria.
Tome-se, por exemplo, o caso de
uma planta amazônica com propriedades medicinais como a
ayahuasca, usada por comunidades indígenas da região. Seu patenteamento por laboratório estrangeiro não traz nenhum benefício para as comunidades que
desenvolveram sua aplicação.
Em persistindo essa apropriação indébita de conhecimento local, o Brasil poderá pagar uma soma considerável de royalties em
alguns anos por aquilo que foi
originalmente desenvolvido no
país!
No passado houve quem pensasse que era possível crescer para
depois se preocupar com as consequências para o ambiente. A realidade da economia globalizada
sugere, no entanto, que ou o desenvolvimento é sustentado ou
simplesmente não ocorrerá.
Gesner Oliveira, 45, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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