São Paulo, terça-feira, 23 de março de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Se a hora passar, adeus

BENJAMIN STEINBRUCH

A redução da taxa de juros de 16,5% para 16,25%, decidida pelo Banco Central na semana passada, foi uma demonstração de boa vontade. Só isso, nada mais. Na verdade, foi um ato simbólico, uma esmola para a economia, que precisa de muito mais para ganhar fôlego e retomar o crescimento continuado.
Depois desse "corte mínimo", como estampou a Folha em sua manchete de quinta-feira, o Brasil continuou ainda folgadamente na liderança do ranking dos juros reais no mundo. Agora, a taxa real no Brasil está estimada em 10,32% ao ano. Em segundo lugar vem a Turquia, com 8,5%, e, em terceiro, a África do Sul, com 7,7%.
Essa comparação mostra que os juros continuam distorcidos no Brasil. Sem a menor dúvida, eles não precisam ser tão altos, e o Banco Central já poderia tê-los cortado havia muito tempo sem risco de irresponsabilidade monetária.
O Banco Central fixa a taxa básica de juros de olho na inflação, focado na meta estabelecida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), neste ano de 5,5%. Primeiro, essa meta já é ambiciosa demais, levando-se em conta que houve um verdadeiro choque das commodities -os preços internacionais aumentaram em média 30% em um ano. Absorver esse choque sem mexer na meta exige um sacrifício enorme e nada impede que ela seja revista pelo CMN. Segundo, mesmo que não seja revista, ela já incorpora um intervalo de variação de 2,5 pontos percentuais para cima ou para baixo. Na prática, portanto, há uma margem de tolerância para aceitar inflação de até 8% em 2004.
Por que insistir em atingir o centro do alvo? Quanto está custando e quanto ainda vai custar esse preciosismo ao país? Essas são duas perguntas que devem ser feitas aos responsáveis pela condução da política monetária. A resposta à segunda pergunta todos sabemos. Basta olhar os números do PIB (Produto Interno Bruto) e do desemprego no ano passado.
A meta de inflação tem sido definida, com base na vontade dos três integrantes do CMN, os ministros da Fazenda e do Planejamento e o presidente do Banco Central. A importância dessa meta exige que ela seja mais amplamente discutida, por representantes de trabalhadores, empresários e gente do meio acadêmico. Já temos uma boa experiência de um CMN amplo, com participações extragoverno, que poderia ser reeditada.
A sabedoria não está em conseguir a estabilidade de preços, mas sim em crescer com estabilidade. Os brasileiros não merecem viver mais uma década como a passada, quando as economias emergentes e desenvolvidas tiveram forte crescimento, enquanto o Brasil patinou, obstinado com a estabilidade. Nos oito anos do governo FHC, o país cresceu apenas 20%, enquanto os países emergentes cresceram em média 50%, e os EUA, 30%.
Infelizmente, o Brasil não embarcou nesse bonde de crescimento, que acabou em 2001. Agora, está passando outro bonde, porque as economias desenvolvidas retomaram a expansão. Há demanda crescente em todos os blocos econômicos, principalmente na América do Norte e na Ásia, e há grande liquidez no mercado internacional, que favorece o ingresso de recursos no país. Além disso, existe boa vontade dos mercados em relação aos países emergentes, especialmente com o Brasil, que não é mais vítima de desconfianças que no passado recente inviabilizavam o acesso do governo e do setor privado a recursos externos.
É óbvio que o Brasil tem de aproveitar este momento. A boa fase pode acabar na hora em que houver um acidente qualquer no percurso da economia internacional, como a quebra de um emergente, guerras ou novos atentados terroristas. É ingênuo achar que podemos deixar para expandir a produção no momento em que o governo brasileiro considerar o país preparado para isso. Se a hora passar, adeus.
Poucas vezes o país teve tantos fatores favoráveis à volta do crescimento. As conseqüências dos cortes de juros feitos pelo Banco Central no segundo semestre do ano passado já foram sentidas na economia. O emprego cresceu no primeiro bimestre deste ano. Mas isso não é suficiente. Continua incompreensível o comportamento do BC neste ano. Contra a opinião quase unânime do mercado, o Copom manteve a taxa em 16,5% nas reuniões de janeiro e fevereiro e ofereceu essa pífia redução de 0,25 ponto percentual na semana passada. Assim não há como criar clima favorável para os investimentos e o crescimento sustentado da produção e do emprego.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: Resumo das moedas
Próximo Texto: Imposto de renda: Veja como é declarada uma doação
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.