São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Mais um lance bisonho

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Parafraseando Fernando Pessoa, falei na semana passada dos "brasileiros estrangeiros" que desgovernam o Brasil. Bem. Essa turma não sossega mesmo. A mais recente (talvez última) proposta dos assessores do ministro Palocci é a redução unilateral das tarifas de importação sobre produtos industriais. A julgar pelo que veio a público, eles esperam que a abertura do mercado interno às importações apresse a queda da inflação e estimule o Banco Central a reduzir os juros mais rapidamente.
A sugestão tem sofrido críticas de vários lados, inclusive de outros ministérios. E com razão. Trata-se de mais um lance bisonho da equipe econômica do governo.
Em primeiro lugar, como desconsiderar que o Brasil e os demais integrantes do Mercosul estão engajados, neste momento, na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e em outras negociações comerciais? Esse ponto tem sido levantado por muitos críticos da diminuição unilateral de tarifas. É tão óbvio que chega a ser constrangedor ter de mencioná-lo. Na Rodada Doha, por exemplo, um dos instrumentos de negociação de que dispomos é a eventual redução de tarifas sobre importações de bens industriais em troca de concessões em áreas de nosso interesse (redução dos subsídios e barreiras agrícolas nos países desenvolvidos, por exemplo). Como diria o Conselheiro Acácio, uma abertura unilateral às importações esvaziaria o poder de barganha do Brasil. As chances de sucesso nessas negociações já são pequenas. Com a redução unilateral de tarifas, cairiam a zero.
O pior é que já não podemos conceder muito em matéria de tarifas industriais de importação. Depois das rodadas de abertura unilateral, principalmente nos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso, o nível tarifário médio do Brasil e do Mercosul passou a ser bastante modesto. Barreiras não-tarifárias também foram reduzidas ou eliminadas. Em conseqüência, o grau de abertura comercial da economia brasileira aumentou muito nos últimos 15 anos e alcança atualmente o nível mais alto desde a Segunda Guerra Mundial. A tarifa média aplicada às importações caiu para apenas 10,4% em 2004. A dispersão em torno dessa média é relativamente baixa. A proteção tarifária beneficia principalmente segmentos industriais, tais como material de transporte, roupas, calçados e bens de informática.
Não podemos perder de vista que a tarifa de importação funciona geralmente como uma compensação apenas parcial de diversos fatores que oneram a capacidade de competir das empresas brasileiras. Refiro-me às elevadas taxas de juro, à escassez de crédito, aos recorrentes períodos de sobrevalorização cambial, ao peso e às distorções da tributação, às deficiências de infra-estrutura, entre outros fatores. Como expor as empresas brasileiras a uma nova rodada de abertura comercial sem ter enfrentado esses problemas?
Alguns problemas até se agravaram no passado recente. É o caso da taxa de câmbio, por exemplo. Nada menos recomendável do que combinar câmbio forte com abertura comercial. É a receita infalível para desequilíbrios nas contas externas, crescimento econômico medíocre e destruição de empresas e empregos.
O leitor é testemunha. Tenho sido, nesta coluna, um crítico incansável da política econômica desde os tempos de Fernando Henrique Cardoso. É triste ser obrigado a registrar que, em vez de melhorar, as políticas econômicas têm piorado, pelo menos algumas delas. O ministro Palocci começou sua trajetória no governo copiando quase integralmente as políticas macroeconômicas do segundo mandato de FHC. Menos mal, uma vez que as políticas do primeiro mandato de FHC foram ainda mais problemáticas. Infelizmente, pouco a pouco, a equipe econômica do governo Lula mostra-se inclinada a repetir alguns erros do primeiro governo FHC. Primeiro, permitiu essa enorme e perigosa sobrevalorização cambial, que faz lembrar os absurdos cometidos nesse terreno no período 1994-1998. Agora, ameaça com o corte unilateral de tarifas de importação. Ora, foi exatamente essa combinação de real valorizado e abertura às importações que gerou os grandes desequilíbrios externos da primeira fase do Plano Real.
Boa parte da indústria nacional atravessa fase de grande dificuldade. Muitas empresas lutam para sobreviver. Algumas estão transferindo suas atividades produtivas para outros países. O presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná, Rodrigo da Rocha Loures, não exagerou quando escreveu, em carta publicada pela Folha no domingo passado: "A indústria nacional está fragilizada, sufocada pela atual política econômica de juros elevados, pela tributação exorbitante, pelo câmbio sobrevalorizado e pela redução dos investimentos em infra-estrutura. O atual modelo tem contribuído para um processo contínuo e crônico -que agora chega a ser agudo- de desindustrialização precoce da nossa economia. (...) Dessa maneira, seguimos por caminho seguro de servidão consentida."


Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
E-mail: pnbjr@attglobal.net


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