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OPINIÃO ECONÔMICA
Mais um lance bisonho
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Parafraseando Fernando
Pessoa, falei na semana passada dos "brasileiros estrangeiros"
que desgovernam o Brasil. Bem.
Essa turma não sossega mesmo. A
mais recente (talvez última) proposta dos assessores do ministro
Palocci é a redução unilateral das
tarifas de importação sobre produtos industriais. A julgar pelo que
veio a público, eles esperam que a
abertura do mercado interno às
importações apresse a queda da inflação e estimule o Banco Central a
reduzir os juros mais rapidamente.
A sugestão tem sofrido críticas de
vários lados, inclusive de outros
ministérios. E com razão. Trata-se
de mais um lance bisonho da equipe econômica do governo.
Em primeiro lugar, como desconsiderar que o Brasil e os demais integrantes do Mercosul estão engajados, neste momento, na Rodada
Doha da Organização Mundial do
Comércio (OMC) e em outras negociações comerciais? Esse ponto
tem sido levantado por muitos críticos da diminuição unilateral de
tarifas. É tão óbvio que chega a ser
constrangedor ter de mencioná-lo.
Na Rodada Doha, por exemplo,
um dos instrumentos de negociação de que dispomos é a eventual
redução de tarifas sobre importações de bens industriais em troca de
concessões em áreas de nosso interesse (redução dos subsídios e barreiras agrícolas nos países desenvolvidos, por exemplo). Como diria
o Conselheiro Acácio, uma abertura unilateral às importações esvaziaria o poder de barganha do Brasil. As chances de sucesso nessas negociações já são pequenas. Com a
redução unilateral de tarifas, cairiam a zero.
O pior é que já não podemos conceder muito em matéria de tarifas
industriais de importação. Depois
das rodadas de abertura unilateral,
principalmente nos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso,
o nível tarifário médio do Brasil e
do Mercosul passou a ser bastante
modesto. Barreiras não-tarifárias
também foram reduzidas ou eliminadas. Em conseqüência, o grau de
abertura comercial da economia
brasileira aumentou muito nos últimos 15 anos e alcança atualmente o nível mais alto desde a Segunda Guerra Mundial. A tarifa média aplicada às importações caiu
para apenas 10,4% em 2004. A dispersão em torno dessa média é relativamente baixa. A proteção tarifária beneficia principalmente segmentos industriais, tais como material de transporte, roupas, calçados e bens de informática.
Não podemos perder de vista que
a tarifa de importação funciona geralmente como uma compensação
apenas parcial de diversos fatores
que oneram a capacidade de competir das empresas brasileiras. Refiro-me às elevadas taxas de juro, à
escassez de crédito, aos recorrentes
períodos de sobrevalorização cambial, ao peso e às distorções da tributação, às deficiências de infra-estrutura, entre outros fatores. Como
expor as empresas brasileiras a
uma nova rodada de abertura comercial sem ter enfrentado esses
problemas?
Alguns problemas até se agravaram no passado recente. É o caso
da taxa de câmbio, por exemplo.
Nada menos recomendável do que
combinar câmbio forte com abertura comercial. É a receita infalível
para desequilíbrios nas contas externas, crescimento econômico medíocre e destruição de empresas e
empregos.
O leitor é testemunha. Tenho sido, nesta coluna, um crítico incansável da política econômica desde
os tempos de Fernando Henrique
Cardoso. É triste ser obrigado a registrar que, em vez de melhorar, as
políticas econômicas têm piorado,
pelo menos algumas delas. O ministro Palocci começou sua trajetória no governo copiando quase integralmente as políticas macroeconômicas do segundo mandato de
FHC. Menos mal, uma vez que as
políticas do primeiro mandato de
FHC foram ainda mais problemáticas. Infelizmente, pouco a pouco,
a equipe econômica do governo
Lula mostra-se inclinada a repetir
alguns erros do primeiro governo
FHC. Primeiro, permitiu essa enorme e perigosa sobrevalorização
cambial, que faz lembrar os absurdos cometidos nesse terreno no período 1994-1998. Agora, ameaça
com o corte unilateral de tarifas de
importação. Ora, foi exatamente
essa combinação de real valorizado e abertura às importações que
gerou os grandes desequilíbrios externos da primeira fase do Plano
Real.
Boa parte da indústria nacional
atravessa fase de grande dificuldade. Muitas empresas lutam para
sobreviver. Algumas estão transferindo suas atividades produtivas
para outros países. O presidente da
Federação das Indústrias do Estado do Paraná, Rodrigo da Rocha
Loures, não exagerou quando escreveu, em carta publicada pela
Folha no domingo passado: "A indústria nacional está fragilizada,
sufocada pela atual política econômica de juros elevados, pela tributação exorbitante, pelo câmbio sobrevalorizado e pela redução dos
investimentos em infra-estrutura.
O atual modelo tem contribuído
para um processo contínuo e crônico -que agora chega a ser agudo- de desindustrialização precoce da nossa economia. (...) Dessa
maneira, seguimos por caminho
seguro de servidão consentida."
Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
E-mail: pnbjr@attglobal.net
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