São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 2008

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Brasil admite pagar mais ao Paraguai

Governo Lula aceita discutir "fórmulas" que elevem receita do vizinho com energia de Itaipu, mas sem mudar tratado

Itamaraty acha "natural" Brasil pedir contrapartida de paraguaios, como maior rigor na fronteira, mas tema ainda não está em pauta


VALDO CRUZ
HUMBERTO MEDINA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O governo brasileiro aceita discutir "fórmulas" para melhorar a receita obtida pelo Paraguai na venda da energia de Itaipu, mas não admite mudar as regras do tratado que rege a hidrelétrica binacional, assinado em 1973. Motivo: o Brasil não quer abrir mão da regra prevista no tratado que dá ao país o direito de adquirir toda energia não-utilizada pelo vizinho, vital para o abastecimento das regiões Sul e Sudeste.
O tema foi discutido ontem pelo presidente Lula na reunião de coordenação, quando o petista disse que o Brasil, como país mais rico do que seu sócio na companhia, deve fazer um "gesto de boa vontade".
O governo do Brasil, segundo apurou a Folha, já estava preparado para iniciar negociações com o Paraguai, mas decidiu esperar o final do processo eleitoral no país para evitar ser acusado de beneficiar algum candidato. A eleição foi vencida pelo ex-bispo católico Fernando Lugo, que defende mudanças no tratado que define que cada país tem direito a 50% da energia produzida pela usina.
Entre as fórmulas em análise pelo governo brasileiro, estão mecanismos que possam aumentar o preço da energia paga ao Paraguai ou a antecipação de receita futura para formação de fundo de investimento pelo país vizinho -o que não agrada a setores paraguaios.
Ontem, durante a reunião de coordenação, Lugo retornou uma ligação telefônica de Lula. Na conversa, que durou menos de dez minutos, o presidente eleito do Paraguai convidou o brasileiro para sua posse, em agosto, mas adiantou que gostaria de encontrar com o colega antes disso. Apesar de não terem tocado no assunto, Itaipu será o principal tema da conversa entre os dois.
A expectativa é que Lugo repita o gesto da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, reservando sua primeira viagem já eleito e também a primeira depois da posse ao Brasil, o país com quem o Paraguai tem as mais estreitas ligações.
Publicamente, a orientação de Lula é não admitir alterações nos contratos em vigor. Ontem, por exemplo, o ministro Edison Lobão (Minas e Energia) disse não ver motivos para reajustar a tarifa da energia da hidrelétrica de Itaipu para favorecer o Paraguai.
Lobão ressaltou que o Brasil já fez outras concessões ao país vizinho. "O Brasil não pretende ver o tratado alterado e, a princípio, não tem por que concordar com a revisão da tarifa." Ele ressaltou, no entanto, que a decisão final é do presidente Lula.
O principal argumento do ministro para manter a tarifa no seu valor atual é que o preço está próximo ao obtido no leilão da hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira (RO). Segundo ele, o Brasil compra energia de Itaipu a US$ 45,31 por MWh (megawatt-hora). Desse valor, US$ 42,50 vão para abater a dívida contraída para construir a usina. O Paraguai fica com US$ 2,81 por MWh, o que rendeu ao país vizinho aproximadamente US$ 340 milhões no ano passado.
Lula defende, porém, que o Brasil deve dispensar ao Paraguai tratamento semelhante ao dado à Bolívia -os dois países mais pobres da América do Sul. A explicação é que não interessa ao país ter vizinhos miseráveis e instáveis. O ônus político e econômico recai aqui.
Isso significa, no caso paraguaio, que o Brasil aceita rever os preços da energia, está disposto a financiar uma linha de transmissão para Assunção, para acabar com os "apagões", e vai aprofundar mecanismos para favorecer o país vizinho.
O presidente lembra, no entanto, que a situação dos dois países são diferentes. Enquanto no caso da Bolívia o gás era um recurso natural, no do Paraguai a usina é binacional, pertence também ao Brasil, o que dá mais força ao país nas negociações. O Itamaraty considera "natural" que, nas negociações, o Brasil possa incluir contrapartidas, como mais rigor nas fronteiras, maior atenção ao contrabando e respeito aos "brasiguaios". Isso, porém, ainda não está em pauta.


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