São Paulo, quarta-feira, 23 de maio de 2001

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LUÍS NASSIF

Aftosa e os erros sem punição

A crise de energia elétrica e o fim da CPI da corrupção salvaram por enquanto o ministro Pratini de Moraes (Agricultura) e o governador Olívio Dutra de arcar com as consequências de um desastre monumental: a volta da aftosa no Rio Grande do Sul. É um episódio irresponsável, em que uma disputa paroquial está colocando em risco exportações de US$ 1,2 bilhão, previstas para este ano.
A volta da "vaca louca" na Europa e o episódio da carne brasileira com o Canadá, com a constatação de que o rebanho brasileiro não estava contaminado, trouxeram um foco de luz sobre a carne brasileira, habilitando-a a se tornar um grande item na pauta de exportações.
Todo esse marketing gratuito está indo por água abaixo por conta de um episódio desastroso, indesculpável.
Especialista na matéria, o secretário da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, João Carlos de Souza Meirelles, explica que os procedimentos, quando se identificam focos de aftosa, são definidos por organismos internacionais há muitos anos. Quando há um foco, em zona livre sem vacinação, imediatamente têm que ser abatidos todos os animais que apresentaram sintomas e com a consequente confirmação. No entorno, alguns quilômetros ao redor, têm que ser retirados todos os animais, que também serão abatidos. Os que têm doença são abatidos a tiro, queimados, cobertos com cal e enterrados em uma vala. Os demais são abatidos em frigoríficos. Tempos depois é introduzido no local um bezerro não-vacinado, para confirmar se a doença foi erradicada ou não.
A irresponsabilidade oficial é maior quando se sabe que, a exemplo da crise energética, a volta da aftosa era prevista. Começou com o aparecimento de focos internos no Paraguai, que não foram comunicados pelo governo local. Dali a doença derivou para Mato Grosso do Sul, que já era zona livre de aftosa. Do Mato Grosso seguiu para a Argentina, evoluiu para o Uruguai e entrou no Rio Grande.
Quando chegou à fronteira gaúcha, os procedimentos internacionais indicam estabelecer uma "buffer zone", uma zona-tampão, com aplicação maciça de vacina. Nada foi feito. De um lado, um conflito primário entre o ministro e o governo gaúcho. Do outro, a extraordinária barbeiragem de deixar como está para impedir que o Rio Grande perdesse o status de zona livre de aftosa sem vacinação.
Trata-se de um status sem valor prático, que permite avançar em um mercado de carne fresca, que quase não faz diferença no preço final do gado. No caso do Rio Grande, como a maior parte do rebanho de 23 milhões de cabeças é abatida para consumo interno, a vacinação pouco efeito teria sobre o faturamento do setor.
Nada disso foi feito. Agora se tem cancelamento de compra de carne brasileira por vários países e um prejuízo estimado em US$ 300 milhões. No ano passado, o plano de retenção do café, apoiado pelo Ministério da Agricultura, significou mais US$ 350 milhões de perdas cambiais. E nada ocorre. Os principais responsáveis por aquela aventura estão ocupando cargos-chave no Conselho Nacional de Café e no próprio ministério.
Essa falta de preocupação em punir erros internos tem sido o maior fator de desgaste do governo FHC.


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E-mail: lnassif@uol.com.br



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