São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

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VULNERABILIDADE

Endividamento público sobe no governo Lula e ultrapassa as perspectivas traçadas pela equipe econômica

Dívida supera até cenário mais pessimista

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Único indicador da vulnerabilidade do país que piorou no governo Luiz Inácio Lula da Silva, a dívida pública supera hoje até o mais pessimista entre seis cenários elaborados no início do ano passado pela equipe econômica.
Os seis cenários, com projeções até 2011, nasceram de um estudo cujo objetivo era demonstrar que, com a elevação do superávit primário (o resultado das receitas menos as despesas, usado para o pagamento de juros) de 3,75% para 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto), a dívida de União, Estados, municípios e estatais seguiria uma trajetória segura de queda nos anos seguintes.
Não foi, até o momento, o que aconteceu. Pelos dados mais atualizados do Banco Central, a dívida pública fechou o mês de março em R$ 924,4 bilhões, o equivalente a 57,4% do PIB. Na pior das hipóteses imaginadas pela equipe econômica, a dívida terminaria o ano de 2003 em 56,61% do PIB e cairia, no final de 2004, aos 55,15%, já abaixo dos 55,5% herdados do governo anterior.
A dívida, porém, chegou a 58,7% do PIB em 2003; para este ano, o mercado esperava, até a semana retrasada, uma queda para 56,9% -ainda acima do patamar recebido por Lula.
Para fazer a comparação entre os cenários e a realidade, a Folha recalculou as projeções divulgadas pela Fazenda em abril de 2003 no documento "Política Econômica e Reformas Estruturais".
Na época, o dado oficial para a dívida pública em 2002 era 56,63% do PIB. Depois, a partir de um novo valor do PIB, esse percentual caiu para 55,5%. Por isso, as projeções futuras foram adaptadas ao novo ponto de partida -mas, mesmo sem essa adaptação, a dívida pública ainda permaneceria acima dos níveis previstos pela equipe econômica.
O comportamento da dívida joga uma sombra sobre os gráficos exibidos pela Fazenda para sustentar que hoje o país está mais preparado para enfrentar crises externas, com mais exportações, mais superávit primário, inflação menor e risco-país abaixo do herdado. Os investidores internos e externos continuam mais preocupados com a solvência do setor público brasileiro.
Segundo o relatório "Perspectivas para a Economia Mundial em 2004", divulgado pelo Fundo Monetário Internacional no mês passado, o Brasil continua "significativamente vulnerável" por causa do seu alto endividamento.

Melhora frágil
Com os resultados do primeiro trimestre deste ano em mãos, o governo tem argumentado que a dívida já iniciou um processo de queda em relação ao PIB, ainda que suave. Essa tese, porém, parece fadada a durar pouco.
Com a perspectiva cada vez mais visível de aumento dos juros americanos, somada ao aumento dos preços internacionais do petróleo para níveis recordes, o mercado jogou para cima, nas últimas semanas, as cotações do dólar -o que gera impacto imediato no volume da dívida. Na sexta-feira, a moeda americana fechou cotada a R$ 3,196. No início deste ano, um dólar valia R$ 2,902.
As estatísticas de abril, que serão divulgadas nos próximos dias, já deverão mostrar os efeitos da alta do dólar na parcela da dívida interna corrigida pela variação cambial e no valor em reais da dívida externa do setor público. Mantido o ritmo atual, esses efeitos serão ainda mais intensos nos dados de maio.
O quadro também piorou com a decisão do BC de não reduzir neste mês sua taxa de juros, de 16% ao ano, justificada pela turbulência externa.
Não por acaso, alguns especialistas passaram a defender um novo aumento do superávit primário -uma rotina que vem desde 1999, quando foi iniciada a política de aperto fiscal com uma meta de superávit de 2,6% do PIB.

Piora das expectativas
Mesmo antes da recente disparada do dólar, o mercado já vinha revendo para cima suas projeções para o comportamento da dívida pública neste ano.
Segundo a pesquisa diária em que o BC consulta bancos, consultorias e especialistas, a piora das expectativas vem desde julho do ano passado, quando se esperava uma dívida de 53,5% do PIB em dezembro de 2004.
Nas pesquisas feitas nas primeiras duas semanas deste mês, cujos resultados são públicos, a previsão já subiu de 56,5% para 56,9% do PIB.
Esses dados ainda não refletem, porém, a desvalorização cambial da semana passada e a permanência dos juros -nas respostas ao BC, o mercado considerou que a taxa cairia para 15,75% ao ano.


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