São Paulo, domingo, 23 de junho de 2002

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MERCADO EM TRANSE

Tática consiste em segurar os estoques e frear a comercialização de soja para o mercado externo

Exportadores especulam com a alta do dólar

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Produtores e exportadores de soja decidiram apostar todas as fichas na alta do dólar. Enquanto esperam o real se desvalorizar ainda mais, estão segurando seus estoques e freando as vendas do produto para o mercado externo. Essa tem sido uma fonte extra de pressão sobre a moeda norte-americana que, por conta da crise que assola o mercado financeiro do país, atingiu cotação recorde de R$ 2,84 na última sexta-feira.
Estimativa do BankBoston indica que, nos últimos dois meses, cerca de US$ 400 milhões deixaram de entrar no país por conta do atraso nas exportações da soja.
Em tese, esse cenário deveria ser diferente. As exportações de soja neste primeiro semestre já poderiam ter representado a entrada de um volume de dólares para o país superior ao conseguido no mesmo período em 2001 por, pelo menos, três razões.

Mesmo nível de 2001
O preço internacional da soja se recuperou recentemente e está agora, pelo menos, no mesmo nível do de 2001.
A safra esperada para este ano no Brasil deve superar a do ano passado e atingir a marca recorde de mais de 40 milhões de toneladas. Além disso, segundo analistas, o Brasil não teria dificuldades em aumentar seu volume de vendas no mercado externo.
Apesar disso tudo, dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior mostram que a receita conseguida com as exportações de soja neste ano tem estado aquém da registrada no mesmo período em 2001.

Queda de 40%
Essa diferença se acentuou ainda mais em maio e nas primeiras duas semanas de junho, quando a média diária da receita de exportações de soja está cerca de 40% abaixo do valor apurado no mesmo período de 2001.
Não por acaso, foi nos últimos dois meses que a desvalorização do real frente ao dólar se acelerou.
O objetivo de exportadores e produtores, ao segurar as vendas da soja, é tentar conseguir lucros mais altos com a desvalorização. Como a soja é comercializada lá fora em dólares, quanto mais alta a cotação da moeda norte-americana no Brasil, maior será o retorno do exportador em reais quando a transação for fechada.
A média diária das exportações, que estava girando em torno de US$ 17 milhões em maio e início de junho, só subiu para US$ 23 milhões na segunda semana deste mês, depois que o Banco Central passou a intervir no mercado para conter a desvalorização. Sinal de que o valor das exportações poderá melhorar agora.
Ainda assim, segundo Iwao Myiamoto, presidente da Associação Brasileira de Produtores de Soja (Aprosoja), cerca de 50% dos estoques do produto estão guardados à espera do momento ideal, em que o produtor poderá embolsar mais com a venda.
"Os produtores estão guardando os grãos como capital de giro. É a moeda soja", disse Myiamoto.
De acordo com Myiamoto, é mais rentável guardar a soja do que aplicar dinheiro em banco.
Anderson Galvão, analista da consultoria MPrado, especializada em agricultura, diz que a soja tem ficado armazenada nos portos, enquanto os exportadores esperam o dólar se valorizar.

Atraso
Mas ele lembra que há outros motivos para o atraso nas vendas de soja este ano. Segundo Galvão, a China passou a exigir certificados de que a soja não é transgênica dos países dos quais importa . Isso encareceu o custo dos exportadores. A recente paralisação da Receita Federal também é citada como motivo de possível atraso no embarque da soja.
Por tudo isso, o analista revisou sua estimativa de volume de exportação da soja em 2002. Antes, previa vendas de 17,5 milhões de toneladas. Agora, espera menos: 16,8 milhões. De toda forma, a cifra deve superar as 12,6 milhões de toneladas exportadas em 2001.
Analistas lembram que os produtores têm o direito de esperar para vender a soja no momento que considerarem mais apropriado. Mas ressaltam que o atraso na comercialização acaba contribuindo para a piora da crise financeira e do cenário econômico.
"Agora, qualquer fluxo de entrada de dólares contribuiria para uma menor desvalorização do real", diz Marcelo Cypriano, economista do BankBoston. Isso poderia levar a uma pressão menor sobre a inflação, disse.

Receita de café
A exportação de outros produtos agrícolas está representando ganhos menores em dólar neste ano do que em 2001. As exportações de café significaram uma entrada média de US$ 3,3 milhões por dia no país durante a primeira quinzena de junho. O valor está 23% abaixo que o conseguido no mesmo período em 2001. Mas, no caso do café, a receita menor é consequência principalmente na queda do preço do produto no mercado internacional.
Alexandre Schwartsman, economista-chefe da BBA Corretora, lembra que a redução de preços das commodities no mercado externo nos últimos anos explicam porque a desvalorização do real não trouxe o boom esperado para as exportações.
Segundo Schwartsman, mais do que nunca as exportações de produtos primários serão importantes para o país. Com a crise argentina, a expectativa é que o Brasil venda menos produtos manufaturados que iam, em sua maioria, para o país vizinho.


Colaborou Cíntia Cardoso, da Reportagem Local


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