São Paulo, quarta-feira, 23 de junho de 2004

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SEMENTE DA DISCÓRDIA

Critério para inspeção de carregamentos ainda não foi definido, o que pode atrasar retomada das vendas

Acordo sobre soja com a China deixa dúvidas

CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM

O governo brasileiro celebrou o fechamento do acordo para a retomada de exportações de soja para a China, mas ainda há dúvidas sobre a sua implementação. O ponto mais nebuloso é o critério que o país asiático usará na composição das amostras que serão examinadas para verificação de eventual contaminação da carga.
Os representantes do Ministério da Agricultura que participaram da negociação queriam que o acordo previsse a aproximação dos critérios utilizados pelos dois países, o que permitiria a comparação segura dos resultados.
Os chineses se opuseram à proposta e aceitaram apenas a inclusão de um ponto que prevê a troca de informações sobre "os métodos de amostragem e inspeção para proteção da saúde pública".
Como os navios de soja têm em média 60 mil toneladas de carga, é inviável a realização de exames em todo o produto. Por isso, são fixados procedimentos para coleta de inúmeras pequenas amostras da soja, em diferentes pontos do carregamento, que no fim resultarão em um quilo do produto que será enviado para exame. É nesse quilo que a soja pode apresentar no máximo um grão tratado com agroquímico, e não em cada quilo da carga total.
Odilson Ribeiro, chefe da Divisão de Assuntos Sanitários Internacionais da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, afirma que a metodologia para composição da porção que será examinada é fundamental para que ela dê uma amostra real da carga. "Sem uma metodologia científica de amostragem, não dá para discutir."
O governo brasileiro já pediu informações aos chineses sobre os procedimentos de coleta de amostras que foram utilizados nos exames feitos nos cinco navios com soja rejeitados entre fim de abril e início de junho, mas até agora não obteve resposta.
Segundo Ribeiro, não é necessário que os chineses tenham a mesma metodologia adotada pelo Brasil, mas sim que trabalhem com padrões científicos de amostragem da carga.
A agência de notícias Bloomberg divulgou ontem estudo da Administração Estatal de Grãos da China segundo o qual a retomada das exportações do Brasil para o país não será imediata, em razão da falta de definição dos critérios de amostragem adotados pelos chineses. "O acordo foi fechado com o Ministério da Quarentena, e não com a Administração de Grãos, que cuida apenas da questão de estoques internos", ressaltou Ribeiro, para quem a afirmação não tem fundamento.
A agência de notícias citou ainda declarações do pesquisador Li Ke, da National Grain & Oils Information Center, centro de estudos do setor agrícola. "Os dois lados parecem ter um entendimento distinto do que o acordo prevê", disse Li à Bloomberg. "Não há como a inspeção ser realizada, portanto os embarques não vão ser retomados rapidamente", afirmou o pesquisador.
Apesar de o acordo falar em troca de informações sobre os critérios de amostragem, Ribeiro diz que esse não é um ponto do qual dependa a retomada das exportações de soja do Brasil para a China. Segundo o documento, "o lado chinês concorda em permitir que os 23 exportadores anteriormente suspensos [pelo Ministério da Quarentena] retomem suas exportações de soja".
Essas 23 empresas representam 90% das exportações de soja do Brasil para a China e eram responsáveis pelas cargas dos cinco navios que foram rejeitados pelo país asiático. No ponto anterior do acordo, o governo brasileiro "garante" que os problemas de não-conformidade da soja não irão se repetir depois da adoção da instrução normativa nš 15, de 11 de junho, que estabeleceu normas rigorosas de inspeção.
Também não está escrito com todas as letras no acordo que os chineses aceitarão o limite de um grão contaminado por quilo de amostra da carga fixado pela instrução normativa. O padrão é mais rigoroso que os dos Estados Unidos e da Europa, que permitem até três grãos por quilo.
"Não está escrito que eles vão aceitar o padrão de qualidade, mas sim que a rigidez da instrução normativa reduzirá a possibilidade de existência de grãos contaminados", observa Ribeiro.
Segundo ele, o limite de um grão por quilo de amostra da carga restringe a possibilidade de presença de partículas contaminadas aos casos realmente acidentais. "Se a mistura dos grãos contaminados for intencional, vai haver mais do que um grão na amostra de um quilo", ressalta.

Pré-inspeção chinesa
A China não enviará uma equipe técnica para a pré-inspeção das cargas de soja brasileira que tenham o país como destino, informou ontem o Ministério da Agricultura. O ministério tinha sugerido ao governo chinês a vinda do grupo para a avaliação prévia da mercadoria. "A princípio, os inspetores chineses não virão inspecionar as cargas brasileiras. Talvez eles venham fazer uma inspeção geral, mas não foi necessário essa pré-inspeção para a liberação das cargas", disse Ribeiro.
A pré-inspeção por uma comissão técnica estrangeira já é adotada nas exportações de produtos como carne para a Rússia e manga e mamão para os EUA.


Colaborou a Sucursal de Brasília

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