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São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2003

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PÓS-MORATÓRIA

Proposta prevê ainda perdão de US$ 12 bi em juros atrasados; credores dizem que oferta é "escandalosa"

Argentina oferece pagar 25% do que deve

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A DUBAI

O governo argentino propôs ontem honrar apenas 25% de parte dos US$ 94 bilhões que o país diz dever a seus credores privados como forma de reestruturar sua dívida e retomar os pagamentos, suspensos em dezembro de 2001. Os 25% seriam pagos em um dos três títulos a serem criados pelo governo para trocar a dívida não paga da Argentina. Os detentores dos outros dois papéis receberiam percentuais maiores, mas prazos mais longos.
A proposta prevê ainda que o país não vá honrar US$ 12 bilhões de juros atrasados desde dezembro de 2001, quando suspendeu os pagamentos de seus títulos, até a data em que os credores aceitarem formalmente o acordo.
"É a reestruturação mais completa da história", disse o secretário de Finanças da Argentina, Guillermo Nielsen.
A oferta teve uma péssima recepção entre grupos de credores, que a qualificaram como "inaceitável" e "escandalosa". O valor total da dívida, que exclui os juros pós-moratória, também foi objeto de forte contestação.
A proposta foi anunciada pelo ministro da Economia da Argentina, Roberto Lavagna, em clima tenso, durante encontro com cerca de 50 investidores na reunião do FMI (Fundo Monetário Internacional) em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Responsabilizando o governo do ex-presidente Carlos Menem (1989-1999) pela insolvência de seu país, Lavagna procurou demonstrar que a Argentina está saindo da atual crise.
O ministro deu a entender que fará apertos fiscais maiores para pagar os juros da dívida que começará a renegociar em outubro e disse que o país poderá manter acordos com o FMI até 2013.
O calote argentino, que envolveu mais de 50% da dívida total do país, não só foi o maior como deverá ter a negociação mais complexa da história. Diferentemente da maioria das dívidas de outros países, a da Argentina está pulverizada entre milhares de credores, inclusive pessoas físicas.
Segundo a proposta, a Argentina escolherá um grupo de 12 bancos e credores que poderão optar por três diferentes tipos de título.
Esses papéis agrupariam 152 bônus distintos, hoje negociados no mercado, em sete moedas, prazos e juros diferentes.
O primeiro título, chamado "bônus de desconto", é o que prevê o deságio de 75% do valor de face da dívida. Os credores receberiam US$ 0,25 para cada US$ 1 a que têm direito em um prazo bem menor, ainda não definido.
Outro tipo de título, o "bônus ao par", garantiria o valor atual da dívida, mas alongaria o prazo de pagamento de maneira significativa e reduziria os juros pagos para até 2% ao ano -segundo algumas previsões.
Uma terceira opção, os "bônus de capitalização", indexariam os pagamentos e ganhos ao ritmo de crescimento da economia. Quanto maior a atividade econômica, maior o ganho. Cada um dos três títulos terá cerca de 20 variações no total, para acomodar prazos, moedas e juros diferentes.
Logo depois da apresentação de Lavagna, alguns poucos investidores chegaram a considerar a proposta "negociável", contanto que o deságio de 75% fosse "um ponto de partida" para um acordo diferente.

Sem negociação
Mas Lavagna foi irredutível. "Os 75% [de desconto] não são negociáveis", reagiu depois o ministro. "O impacto da atual crise é mais forte no povo argentino do que nos credores. A oferta pode não atender às expectativas, mas é o que estamos dispostos a pagar", disse durante entrevista.
Lavagna afirmou esperar concluir as negociações em menos de um ano e deixou claro que a Argentina não fará "nenhum pagamento em dinheiro a curto prazo" -mesmo para quem aceitar receber só os 25% do total devido.
O ministro argentino sugeriu que o país pretende aumentar a meta de superávit fiscal (economia para pagar juros) em 2005 e em 2006. Para 2004, a Argentina já se comprometeu com o FMI a fazer um superávit de 3% do PIB (Produto Interno Bruto).

Light
A meta de 2003 foi considerada "light" demais por banqueiros e investidores, que criticaram o acordo de US$ 12,5 bilhões aprovado pelo FMI com a Argentina nesta semana.
"A oferta argentina aos credores é coerente com o acordo fechado com o FMI, que todos consideraram frouxo. O Brasil vem economizando 4,25% do PIB para pagar juros, o que mostra que os argentinos poderiam fazer melhor", disse à Folha David Beers, diretor-gerente para a área de Dívida e Finanças da Standard & Poor's.


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