São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2004

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Nova série americana, com foco em jovens e adultos, trará menções a marcas de fast food, bebida energética e calçados

Merchandising chega aos desenhos animados

STUART ELLIOTT
DO "NEW YORK TIMES"

Não é brincadeira. Uma nova série de animação do canal Comedy Central, nos EUA, vai incorporar nomes e produtos de patrocinadores à ação dos desenhos.
O primeiro episódio da série, um desenho animado adulto chamado "Shorties Watchin" Shorties" [baixinhos assistindo a curtas], deve estrear na próxima terça-feira na rede de cabo, controlada pela Viacom. Os telespectadores verão merchandising de produtos em versões de animação, variando de sutil a escancarado, em três dos sete episódios de 30 minutos, envolvendo três anunciantes: Domino's Pizza, a bebida energética Red Bull e os calçados esportivos Vans.
Um quarto anunciante, Activision, não terá seus videogames inseridos nos episódios, mas usará os personagens -dois bebês que se comportam como jovens adultos baderneiros, a faixa etária visada pela série- estrelando comerciais para um videogame com o skatista Tony Hawk.
A Comedy Central e outros anunciantes se recusam a discutir os termos financeiros do acordo e se limitam a descrever o arranjo como uma espécie de bônus -valor adicionado, no jargão do setor- por terem fechado acordo para adquirir um determinado volume de comerciais em diversos programas da rede. O valor desses pacotes pode chegar à casa dos milhões de dólares.
Ainda que seja difícil identificar os responsáveis por idéias pioneiras em marketing, acredita-se que seja a primeira vez que merchandising pago será parte regular de uma série de animação. Personagens de desenhos animados apareceram em comerciais ao longo das décadas, dos Flintstones, anunciando os cigarros Winston, aos Simpsons, que são garotos-propaganda dos confeitos Butterfingers, mas os produtos não foram incorporados aos desenhos. Recentemente, certos produtos, como o refrigerante Sprite, apareceram em episódios da série de animação "Father of the Pride", na rede de televisão NBC, mas não foram usados, como resultado de acordos de merchandising.

Controle remoto
O merchandising de produtos conhecidos em séries de TV e filmes vem se tornando cada vez mais popular, à medida que as empresas procuram mais maneiras alternativas de atingir os consumidores -que hoje conseguem facilmente evitar comerciais tradicionais, usando controles remotos para mudar de canal ou gravadores de vídeo digitais que permitem editar os programas e eliminá-los. À medida que o merchandising ganha popularidade, críticos intensificam os protestos, dizendo que a prática obscurece de maneira desleal o limite entre programação e publicidade.
As empresas e as redes de TV "adotaram uma estratégia de negócios que transforma programas em comerciais", disse Gary Ruskin, diretor-executivo da Commercial Alert, uma organização de Portland (Oregon) que tenta limitar o que seus membros consideram comercialização gradual da cultura norte-americana.
"Ainda que os personagens do programa sejam "baixinhos'", disse ele, "a publicidade terá 30 minutos de duração".
Outros críticos estão preocupados com a prática das redes de fazer merchandising em uma série de animação mesmo que os programas sejam dirigidos a adultos. "Shorties Watchin" Shorties", que inclui uso moderado de palavrões e comportamento rude, será exibida às 22h30.
"Embora a Comedy Central seja claramente uma rede adulta, as pessoas pensam em desenhos animados como coisa para crianças", disse James Steyer, presidente-executivo da Commonsense Media, em San Francisco, uma organização sem fins lucrativos que defende os direitos das crianças.
"Isso suscita uma questão realmente interessante, a de determinar se o merchandising em programas adultos que as crianças venham a assistir será ou não utilizado", disse, "bem como a questão das restrições, se alguma, que serão adotadas ao merchandising de produtos em videogames".
Os envolvidos na criação de "Shorties Watchin" Shorties" dizem que levam em conta as preocupações dos críticos. "É um verdadeiro desafio para nós trabalhar com anunciantes para a realização do merchandising", disse Mitch Fried, vice-presidente da Comedy Central em Nova York. Um dos objetivos "é integrar o merchandising organicamente ao programa", disse Fried, em lugar de usá-lo de maneira ostensiva. Em alguns casos, acrescentou, depois de ver uma versão inicial do episódio em produção, "nós os informamos de que mais discrição seria melhor, que a presença dos produtos era exagerada".
Jim Serpico, produtor executivo e criador da "Shorties Watchin" Shorties" e presidente da Apostle, a empresa que produz a série, disse que "é preciso ser cuidadoso. Não queremos um episódio de meia hora dedicado integralmente à promoção de um produto".
A Domino's está presente em dois episódios que incluem cenas dos dois baixinhos Nick e Patrice comendo pizza e se lambuzando inteiros e também em uma cena em que um entregador da Domino's leva pizza a agentes do Serviço Federal de Investigações (FBI) que estão fazendo uma campana. Os calçados Vans e o Red Bull dividem um terceiro episódio, em cenas que incluem um Volkswagen New Beetle decorado com as cores da Red Bull chegando à escolinha que os baixinhos freqüentam. Um dos personagens usa tênis Vans para jogar basquete e andar de skate.
Algumas das ações de merchandising, como a envolvendo os tênis quadriculados Vans são breves e pouco perceptíveis, mas outras, como as imagens de caixas de pizza Domino's, parecem constantes e intrusivas.
"Nós achamos que era satírico", disse Ken Calwell, vice-presidente executivo e de marketing da Domino's Pizza. "A presença é tão óbvia que, se for mostrada criativamente, de um jeito brincalhão, funcionará melhor". "E podemos agir diferente nos programas da Comedy Central, se comparados ao patrocínio do futebol americano, por exemplo", acrescentou.
Quanto às preocupações sobre o apelo da série junto às crianças, que talvez não compreendam que estão assistindo a ações de merchandising, Calwell diz, "o programa tem natureza adulta, especialmente exibido às 22h30, o que em nossa opinião nos isola das crianças".

Soluções criativas
Chris Overholser, gerente sênior de comunicações na Vans, da Califórnia, disse que estão sempre "à procura de maneiras criativas de levar a mensagem ao mercado. Falamos de marketing com os consumidores, não de marketing para eles, e eles gostarão do marketing se for de maneira divertida e relevante e que os respeite".
Quanto ao medo de obscurecer a distinção entre conteúdo e publicidade, diz não ter essa preocupação, porque "os consumidores são espertos o bastante, hoje, para perceber a diferença", especialmente os homens entre os 12 e os 24 anos, a faixa etária preferencial para a Vans.
O motivo primordial para que a Comedy Central recorra ao merchandising, disse Fried, é que os comediantes humanos da rede "por natureza zombam das coisas", de modo que "você está se arriscando, quando pede que falam merchandising".
De fato, um dos comediantes mais populares da Comedy Central já afirmou que não é "muito fã" de entretenimento que use esse tipo de recurso. "Creio que comerciais são comerciais, e devam ser identificados como tal", disse Jon Stewart, apresentador do "The Daily Show".


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