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PÂNICO
Diversos colapsos sucedem quebra da Bolsa em 1929 e deixam certeza de que sempre uma nova crise deve irromper
Ecos do crash persistem depois de 75 anos
DAVID WIGHTON
DO "FINANCIAL TIMES"
"A trama da peça é sempre a
mesma; só mudam os personagens", afirma Irving Kahn, ao estudar a sucessão de crashes dos
mercados a que assistiu em seus
76 anos de carreira em Wall
Street. "As pessoas são cobiçosas.
E a cobiça muitas vezes é mais forte que o medo."
Há 75 anos, o medo finalmente
superou a cobiça, e os preços das
ações norte-americanas desabaram e deram início ao pior colapso da história das Bolsas.
Foi, na opinião de muitos, um
crash que deveria ter acabado
com todos os crashes. Mas, como
John Kenneth Galbraith afirma
na mais recente introdução ao seu
clássico relato do colapso de 1929,
as expansões e contrações das
Bolsas de Valores parecem ser
parte de um "processo básico e recorrente". Ou seja, a dúvida não é
se acontecerão, mas quando.
Sete anos atrás, ele escreveu que
o mundo estava atravessando
uma "era de enorme especulação". Mesmo que demorasse mais
três anos, a contração inevitavelmente surgiu.
Da mesma forma que o boom
do final dos anos 90 tinha muitas
semelhanças com o que o precedeu 70 anos antes, o colapso posterior também repetiu muitos dos
traços de 1929. No entanto, algumas lições foram aprendidas, e os
danos para os investidores, para
Wall Street e para a economia como um todo foram muito menos
severos.
"Cuidado com os especialistas"
foi uma das lições aprendidas por
Irving Kahn, que aos 98 anos continua na ativa como presidente do
conselho da Kahn Brothers, que
administra cerca de US$ 800 milhões em ativos. Quando Kahn
chegou a Wall Street, em 1928,
quase todos os especialistas alegavam que a expansão continuaria.
Kahn discordou: "Não sabia muita coisa, mas achava que o mercado tinha enlouquecido", diz. O
analista júnior estava tão convencido de sua teoria que, no verão de
1929, usou todas as suas economias para adquirir 50 ações da
Magna Copper. "Os corretores diziam que eu perderia todo o meu
dinheiro. E, em apenas quatro
meses, mais que dupliquei meu
investimento."
Kahn selecionou ações de uma
mineradora de cobre em parte devido aos conselhos de Benjamin
Graham, a cujas aulas de finanças
ele assistia na Universidade Columbia. Graham, que veio a se
tornar um dos mais famosos investidores do século e mentor de
Warren Buffett, não se saiu muito
bem no crash. Ainda que tivesse
previsto a aproximação de um
grande colapso, não agiu com rapidez suficiente, e o fundo que ele
dirigia quebrou, o que custou a
perda da maior parte do dinheiro
de sua família, ainda que no futuro ele conseguisse recuperar os
prejuízos.
Graham não foi o único dos
grandes nomes a sofrer. Poucas
das principais instituições de Wall
Street emergiram com seus ativos
ou reputações intactos. Os bancos
se deixaram iludir e bancaram a
abertura de capital de empresas
dúbias a preços exorbitantes. Nos
anos 90, isso aconteceu com empresas de varejo via internet. Nos
anos 20, eram os fundos de investimento.
Diante da demanda insaciável
dos investidores por ações, os
bancos de Wall Street começaram
a vender ações em empresas criadas para comprar papéis de outras empresas, as quais, por sua
vez, adquiriam ações de ainda outras empresas. No mais infame
dos exemplos, o Goldman Sachs
lançou a Goldman Sachs Trading
Company, que, pouco antes do
crash, lançou dois outros fundos,
o Shenandoah e a Blue Ridge Corporation, com um capital combinado de aproximadamente US$
250 milhões.
Em poucos meses, os preços das
ações haviam despencado e o
Goldman Sachs estava em crise.
Demorou anos para a empresa se
recuperar, e as cicatrizes demoraram ainda mais para desaparecer.
"Quando o Goldman Sachs reiniciou suas atividades de administração de fundos, nos anos 80, o
comitê administrativo debateu
por muito tempo antes de permitir que o nome da firma fosse usado para esse tipo de negócio", diz
Lisa Endlich em "Goldman: The
Culture of Success", uma história
do banco de investimento.
"As lições de 1929 custaram a
ser esquecidas." Nem todos os
grandes nomes se deixaram apanhar na armadilha. Charlie Merrill, que mais tarde fundaria o
Merrill Lynch, vendeu suas ações
e aconselhou todos os clientes de
sua corretora a vender as deles
meses antes do colapso.
Setenta anos mais tarde, a empresa que leva seu nome demonstrava muito mais otimismo, à beira de um novo crash. Henry Blodget, analista de internet do Merrill
Lynch, foi um dos principais defensores das ações de tecnologia
que dispararam em 1999 (como a
das estações de rádio haviam disparado em 1929). Mas James Gorman, que dirige a divisão de clientes privados do grupo, diz que sugerir que o banco de investimento
não tenha aprendido a lição de
seu fundador é se equivocar
quanto à extensão das mudanças
pelas quais o mundo passou.
Os clientes do Merrill Lynch tinham carteiras mais diversificadas em 1999 do que era o caso em
1929, quando os investidores concentravam suas aplicações em algumas poucas ações de alto risco.
"As pessoas se esquecem de que
Henry Blodget jamais deixou de
apontar que as ações de internet
tinham alto risco e deveriam responder por apenas uma pequena
porção de uma carteira de investimento". E, se Merrill tivesse vendido, na alta dos anos 90, com antecedência semelhante à de 1929,
teria perdido alguns meses de
boom e talvez até a recuperação
de 2003. "Charlie Merrill estaria
completamente errado", afirma
Gorman.
Se vender cedo demais antes de
um crash pode ser custoso, comprar cedo demais depois também
oferece dificuldades. Kahn cometeu esse erro em 1931. "A recessão
já durava dois ou três anos, e as
ações pareciam muito baratas",
relembra. "Mas caíram ainda
mais em 1932." O mercado foi
abalado por uma onda de falências bancárias, que arrastaram a
economia a uma nova queda. O
estado precário do sistema bancário norte-americano era uma das
fraquezas na economia que transformou a recessão que acompanhou o crash em depressão.
Um dos motivos para que os
crashes posteriores não tivessem
o mesmo impacto econômico foram as reformas legislativas dos
anos 30, que removeram certas
fraquezas estruturais. Entre elas,
estava a criação da Federal Deposit Insurance Corporation, uma
agência do governo que preservava até US$ 100 mil do dinheiro de
um investidor, em caso de colapso bancário.
Política monetária
Uma área em que o debate continua indefinido, quanto às lições
do colapso de 1929, é a política
monetária. Muitos economistas
acreditam que, se o Federal Reserve (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) tivesse
agido para conter a alta das Bolsas
em 1928, os danos teriam sido
muito menores quando começou
a queda. De forma semelhante, há
quem critique Alan Greenspan, o
presidente do Fed, por não restringir a "exuberância irracional"
para a qual apontou, nos mercados, já em 1996. Os cínicos suspeitam de que, como em 1929, as autoridades optaram por não estourar a bolha mais cedo porque não
queriam levar a culpa por seu fim.
Como observou o professor
Galbraith, "a morte imediata tem
a desvantagem de também identificar o executor".
Mas Kahn sabe o quanto é difícil
nadar contra a maré em um ciclo
de expansão. Em 1929, seu pai estava desesperado para entrar no
mercado de ações e insistia: "Por
que você não me compra algumas? Você enriquece outras pessoas, por que não quer me enriquecer?". Por fim, Kahn cedeu e
adquiriu ações da AT&T com os
US$ 2.500 que seu pai tinha poupado. "Demorou 18 anos para que
ele recuperasse seu dinheiro."
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