São Paulo, quarta-feira, 23 de novembro de 2005

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ARTIGO

Emergente deve ser pressionado a abrir mercado

MARTIN WOLF

O que eles desejam? Justiça no comércio externo. E quando eles o querem? Agora. No último dia 15, o "Financial Times" publicou uma carta sobre esse tema assinada por representantes de não menos de 142 organizações. Os números são impressionantes. Mas, como disse Albert Einstein em resposta a um panfleto intitulado "Cem Autores Contra Albert Einstein", "se eu estivesse errado, um só bastaria".
O movimento pela "justiça no comércio externo" vem conquistando substancial apoio, até mesmo no Reino Unido. Uma moção apresentada à Câmara Baixa do Parlamento propondo que "o governo do Reino Unido não deveria pressionar os países em desenvolvimento para que abram seus mercados, mas sim respeitar seu direito de decidir quanto a políticas comerciais que os ajudem a pôr fim à pobreza, respeitar os direitos dos trabalhadores e proteger o ambiente" conquistou a adesão de 219 dos 646 parlamentares. Os oponentes, seria possível presumir, são os que desejam perpetuar a pobreza, solapar os direitos de trabalhadores e destruir o ambiente. A verdade é que eles não desejam isso.
Qual é, portanto, a diferença essencial de opinião? Ela não gira em torno de determinar se os países ricos deveriam ou não liberalizar seus mercados em benefício dos mais pobres. Tanto os defensores do livre comércio quanto os ativistas do comércio justo concordam quanto a isso, em larga medida. O que está em debate é a alegação de que liberalização é algo imposto aos países pobres.
A Christian Aid é uma das mais tenazes adversárias do livre comércio, que ela condena como escravidão. Suas pesquisas chegam a sugerir que a liberalização comercial das duas últimas décadas tornou os países africanos ao sul do Saara US$ 272 bilhões mais pobres, em termos cumulativos, do que teria sido o caso de outra maneira. Se as acusações procedessem, seria um crime hediondo.
Felizmente, não procedem. O estudo sobre o qual se baseiam esses números presume que, se os déficits comerciais superam o valor disponível para financiamento, todos os ajustes ocorrem em termos de renda e produção, e não como mudanças na estrutura da produção e consumo. Os leitores talvez se recordem de que argumentos semelhantes foram empregados pelos proponentes da idéia de uma "economia de cerco" no Reino Unido, três décadas atrás. Felizmente, eles foram ignorados. De outra forma, o Reino Unido teria seguido pelo mesmo caminho da Alemanha Oriental. Uma depreciação na taxa de câmbio pode (e deve) compensar o impacto das reduções nas tarifas de importação. Qualquer modelo de longo prazo que ignore esse fator não passa de uma tolice.
Por que, então, a liberalização do comércio deveria interessar até mesmo aos mais pobres?
Primeiro, e o mais simples: o peso dos indícios aponta para uma correlação positiva entre abertura de mercados e renda.
Segundo, o protecionismo representa um imposto sobre o comércio internacional, pago em larga medida pelas exportações.
Terceiro, tributar exportações é uma maneira tola de promover o desenvolvimento de indústrias nascentes. Privilegiar a produção para os mercados internos garante que não haverá crescimento.
Quarto, exportações competitivas dependem do acesso fácil a insumos com preços competitivos. Até mesmo as maiores economias se envolvem cada vez mais em "transações intersetoriais" como essas. Zonas de processamento de exportações são uma possível solução. Idéia mais simples, como demonstraram Hong Kong e Cingapura, é adotar o livre comércio.
Quinto, a geração de exportações competitivas também depende de acesso a know-how estrangeiro, boa parte do qual chega como parte de investimento estrangeiro direto em uma economia nacional. Quanto mais uma economia ficar para trás da fronteira tecnológica, mais dependente se tornará de know-how estrangeiro. No entanto, as atividades de investimento estrangeiro que se beneficiam do protecionismo tendem a ser extremamente dispendiosas para o país anfitrião, já que os lucros expatriados derivam de um tributo imposto ao resto da economia.
Sexto, as barreiras comerciais dos países em desenvolvimento estão entre os mais importantes obstáculos às suas exportações.
Sétimo, é incoerente defender assistência mais elevada e ainda assim combater a liberalização comercial.
Nada disso quer dizer que a liberalização comercial é tudo de que os países precisam. Mas é necessário ter em mente que uma oposição geral à liberalização, de parte dos países em desenvolvimento, constitui um sério erro.

Pressões externas
Mesmo que seja simples mencionar argumentos em favor da liberalização, surge uma questão distinta: será que se deveria permitir aos países em desenvolvimento que façam suas escolhas, sem que tenham de sofrer pressões externas?
Antes de concordarmos com essa proposição aparentemente razoável, consideremos o comportamento dos países avançados. Ainda que a política neles padeça de corrupção menos grave que na maioria dos países em desenvolvimento, seus governos estão enredados em uma imensa teia de obrigações quanto à liberalização de suas economias. Acreditam, corretamente, que acordos como esses facilitam assumir um compromisso para com as políticas liberais. No entanto, os governos dos países em desenvolvimento praticam abusos maiores contra suas soberanias do que os governos das nações de alta renda.
Não se trata de um argumento em defesa de que cada país seja solicitado a assumir compromissos inflexíveis para com a OMC (Organização Mundial do Comércio). Trata-se, no entanto, de um argumento contra a condenação genérica dos ativistas às obrigações internacionais.
Os defensores da justiça no comércio internacional são sem dúvida pessoas bem-intencionadas. Mas sua oposição à liberalização comercial nos países em desenvolvimento e sua hostilidade ante a pressão internacional dirigida a esses países, em defesa da liberalização, representam um equívoco. A crença de que os países em desenvolvimento deveriam fazer o que quer que seus governantes prefiram, sem influência de pressões externas, é um engano. Soberania é, sem dúvida, um bem; soberania sem limites não o é.


Martin Wolf é colunista do "Financial Times".

Tradução de Paulo Migliacci


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